Se tem uma coisa que adoro é ser surpreendido por uma série que não estava dando nada, e foi exatamente assim que me senti ao descobrir “Cruel Summer”, uma produção do Prime Video lançada em 2021. Na época a série passou batido por mim, principalmente por achar que era só mais um drama teen alá “Elite” e “Pretty Little Liars”, que até tem seus méritos, mas não são grandes coisas. Porém o burburinho da estreia da segunda temporada, que lançou em agosto desse ano, chamou minha atenção e decidi dar uma chance pra ela. E acredite, definitivamente não era o que eu esperava.
A narrativa de “Cruel Summer” se desenrola durante o verão de três anos diferentes – 1993, 1994 e 1995. Tudo gira em torno das vidas de duas adolescentes, Jeanette Turner (Chiara Aurelia) e Kate Wallis (Olivia Holt), em uma pequena cidade no Texas. Quando somos apresentados à Jeanette em 1993, ela é a típica nerd esquisita, com óculos e aparelho nos dentes, enquanto Kate é uma garota popular, linda e simpatica.
Aqui já temos um grande acerto, já que a série foge dos estereótipos comuns de dramas teens. Kate, a menina popular, não se encaixa no estereótipo da típica patricinha a lá Regina George, sendo naturalmente amigável. Enquanto isso, Jeanette, antes introvertida, mostra nuances de rebeldia.
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No ano seguinte, descobrimos que Kate desapareceu e Jeanette assumiu seu lugar, transformando-se na garota mais popular da cidade, seu cabelo crespo agora está liso, seu aparelho desapareceu e seus óculos foram trocados por lentes de contato. Suas melhores amigas eram as melhores amigas de Kate, e seu namorado Jamie (Froy Gutierrez) é o ex de Kate.
No entanto, essa ascensão é seguida por uma queda vertiginosa quando Kate reaparece. Ela havia sido sequestrada e quando retorna sente que Jeannette roubou a sua vida, mas não só isso, ela faz a acusação chocante, de que Jeanette a viu na casa de seu sequestrador e não contou a ninguém. O que leva Jeanette de “a garota mais popular da cidade” para a “garota mais odiada dos Estados Unidos”.
Quem está falando a verdade?
O dilema central se desenrola sobre a pergunta: quem está dizendo a verdade? Kate acusa Jeanette de ter visto ela durante o sequestro e não ter denunciado, enquanto Jeanette nega veementemente. A cada episódio que vai e volta entre os três anos, somos apresentados a perspectivas diferentes, nos fazendo questionar nossas próprias certezas e a quem devemos realmente acreditar.
A série mergulha fundo nas transformações psicológicas e emocionais de ambas as personagens ao longo dos anos. Kate, após seu retorno, está lutando para lidar com o trauma de seu sequestro e com o fato de que sua vida ter sido “roubada” durante seu período de ausência. Por outro lado, Jeanette, que inicialmente almejava a popularidade de Kate, se vê no olho do furacão de uma controvérsia que abala sua vida por completo. Ambas as personagens são construídas em tons de cinza, desafiando a ideia de uma dicotomia entre bem e mal. Essa dualidade de personagens é habilmente interpretada pelas talentosas Olivia Holt e Chiara Aurelia, que dão profundidade e autenticidade às suas performances.
Apesar de não ser a trama mais inovadora, a série se destaca pela inteligência na condução da história de ficar se intercalando entre as linhas do tempo e pontos de vista, nos ajudando a montar o quebra-cabeça. Ambientada nos anos 90, a ausência de smartphones e redes sociais ressalta a influência da mídia tradicional na construção da reputação das personagens, explorando como a verdade pode ser distorcida em nome da narrativa midiática. A série também mergulha na nostalgia dos anos 90, refletida nas referências culturais, moda e trilha sonora, criando uma atmosfera imersiva.
Um dos aspectos mais notáveis é a paleta de cores, que reflete a evolução temporal. Os tons mais claros e vibrantes de 1993 contrastam com a saturação gradativa em 1994 e os tons suaves e azuis sombrios de 1995, cada um representando diferentes estados de espírito e emoções em que as personagens estão.
A abordagem sensível sobre o relacionamento de Kate com seu sequestrador é outro ponto alto. A série não tenta romantizar a situação, mostrando o quão manipulador e cruel ele é. Além disso, ela trata o trauma de Kate com seriedade, explorando seu processo de recuperação e empoderamento após o evento traumático.
Os impactos dos acontecimentos se estendem não só às protagonistas, mas também aos amigos e familiares delas, especialmente suas mães. Esse paralelo entre Cindy Turner (Sarah Drew) e Joy Wallis (Andrea Anders), mães de Jeanette e Kate, respectivamente, é habilmente explorado, mostrando como suas relações se desgastam ao longo do tempo. Embora o mistério seja cativante, mergulhar nas vidas complexas das personagens é tão fascinante quanto desvendar a verdade.
Em seus 10 episódios, a trama se desenrola de forma consistente, sem episódios desnecessários. Mas é só nos minutos finais que a revelação acontece, capaz de deixar qualquer um arrepiado.
Cruel Summer não é apenas mais um mistério adolescente; é uma jornada envolvente repleta de nuances emocionais, questionamentos morais e reviravoltas inesperadas. Uma série que desafia nossas percepções e nos mantém inquietos até o último segundo, revelando-se muito mais do que um simples quebra-cabeça.