The Last of Us - 2 temporada

Às vezes, a gente se pergunta se o tempo não é o maior vilão de todos os apocalipses. Não o tempo que destrói cidades ou transforma humanos em fungos ambulantes, mas o tempo que corrói a paciência, a memória e, por que não, a capacidade de uma boa história manter sua mordida. Com a segunda temporada de The Last of Us, a HBO nos entrega um prato que, embora ainda bem servido, parece ter perdido um pouco daquele tempero que nos fez devorar a primeira porção sem nem piscar. É como se a receita original estivesse ali, mas a execução, ah, a execução

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Onde a Vingança Encontra o Vazio

Para quem mergulhou de cabeça no primeiro ano, a expectativa para a segunda temporada de The Last of Us era quase palpável. Afinal, a saga de Joel e Ellie não é apenas sobre sobrevivência num mundo desgraçado; é sobre os laços que nos salvam, e também os que nos destroem. Mas, desta vez, a trama se enveredou por um caminho que, embora espere honrar o material original, parece ter diluído a essência que tanto cativou.

Vamos direto ao ponto: a temporada se joga de cabeça na espiral da vingança, com Ellie e Abby em lados opostos de um dilema moral que, no jogo, era um nó na garganta. Na tela, porém, a série optou por uma abordagem que, para muitos, simplificou a complexidade: Ellie, a heroína injustiçada; Abby, a vilã clássica. Perde-se a nuance, a ambiguidade que fazia a gente se questionar sobre quem, de fato, era o monstro. É uma escolha narrativa que, embora compreensível para o público de TV, retira parte da força bruta que tornava o original tão visceral. Onde está o cinza? Onde está a dúvida que nos assombrava?

A Brutalidade Suavizada e o Ritmo Descompassado

Quem conhece o jogo sabe que a jornada de Ellie é marcada por uma brutalidade quase insuportável. A violência, ali, não é gratuita; ela é parte da paisagem, um reflexo das escolhas desesperadas em um mundo sem leis. Na segunda temporada de The Last of Us, no entanto, essa brutalidade foi atenuada. A ação, as sequências que te deixavam tenso, foram drasticamente reduzidas. É quase como se, na tentativa de humanizar Ellie, a série tivesse arrancado dela uma parte importante de sua complexidade — a capacidade de ser aterrorizante quando necessário. É compreensível que a HBO não queira chocar gratuitamente, mas existe uma diferença entre brutalidade e crueza essencial para a narrativa.

E o ritmo? Ah, o ritmo. Críticos e público concordam: a narrativa se arrasta em alguns momentos. Episódios que parecem intermináveis, com trechos introduzidos sem o devido aprofundamento, cenas de batalhas com infectados que se prolongam e sequências silenciosas que, embora bonitas, roubam o fôlego da trama. Não é que o silêncio seja ruim, longe disso. Mas quando ele se torna um artifício para esticar a história, sem o devido impacto, vira enchimento, e não arte. A história parece, em alguns momentos, incerta quanto à sua própria razão de ser, divagando sem um norte claro.

O Brilho que Resiste: Atuações e Produção Impecável

Apesar dos pesares, a segunda temporada de The Last of Us brilha em aspectos que já esperávamos. A produção continua impecável: cenografia de cair o queixo, trilha sonora que te arrepia e efeitos especiais que te fazem esquecer que é tudo ficção. A maquiagem dos infectados, a pós-produção — tudo é de primeira linha. É um deleite visual e sonoro, prova de que a HBO não economizou para manter o padrão de excelência.

Mas o grande trunfo, o que realmente salva a temporada de ser apenas “boa”, são as atuações. Bella Ramsey como Ellie, mais uma vez, entrega uma performance digna de prêmios, capturando a raiva, a dor e a vulnerabilidade da personagem de uma forma que te conecta com cada um de seus dilemas. Pedro Pascal continua sendo a âncora emocional, a “cola” que segura a trama e eleva o drama da produção, mesmo com seu papel reduzido.

E as novatas? Isabela Merced como Dina rouba a cena, com uma química palpável com Ramsey e uma presença que preenche a tela. E Kaitlyn Dever como Abby, que tinha a ingrata tarefa de fazer o público “sentir” algo por uma personagem controversa, consegue gerar sentimentos genuínos em poucos minutos. Ela é a prova de que um bom ator pode, por si só, dar profundidade a um roteiro que talvez não a ofereça em sua totalidade. É o elenco que, no fim das contas, nos impede de desviar o olhar, nos lembrando o potencial da série.

Vingança e a Diluição da Alma

A temporada nos joga de cabeça nos temas da vingança, luto e trauma. Ellie e Abby são espelhos uma da outra, ambas movidas por um ódio que as consome. É um estudo sobre como o ódio, o amor e a falta de esperança nos transformam, nos corroem, nos tornam uma lembrança do que já fomos. É um lembrete cruel de que, mesmo após o fim do mundo, os demônios internos ainda são os mais difíceis de combater.

Mas, e aqui reside o ponto nevrálgico, a forma como a série aborda esses temas parece um pouco… contida. A complexidade moral do material original, a ambiguidade que te forçava a refletir sobre as ações de cada personagem, foi, de certa forma, diluída. É como se a segunda temporada de The Last of Us tivesse optado por um caminho mais seguro, com medo de desagradar, mas, ao fazer isso, acabou sacrificando parte da sua alma. A magia da primeira temporada, que conseguia ser brutal e tocante ao mesmo tempo, está lá, mas não atinge o mesmo nível. É como se a série tivesse trocado a coragem de ser incômoda pela segurança de ser apenas “boa”.

A Diferença Entre Ser “Bom” e Ser “Ótimo”

No final das contas, a segunda temporada de The Last of Us é boa. Não é ruim. Longe disso. Mas é difícil não sentir que faltou aquele algo a mais, aquela faísca que transformou a primeira temporada em um fenômeno. É como se a série tivesse escorregado da beira do precipício da excelência para um terreno mais plano, mais seguro, mas também menos emocionante.

A discrepância entre a crítica especializada (que a elogia) e o público (que a vê com mais ceticismo) é um sintoma dessa condição. Os críticos, talvez mais focados na qualidade técnica e nas atuações, veem um produto bem feito. O público, que talvez esperasse a mesma intensidade e a mesma quebra de paradigmas da primeira, sente falta daquela mordida, daquela complexidade que te fazia pensar por dias a fio.

Será que é o fardo da expectativa? Ou será que, ao tentar expandir um universo já tão denso, a HBO acabou diluindo o que o tornava único? A segunda temporada de The Last of Us nos deixa com mais perguntas do que respostas. E talvez, no fim das contas, a maior delas seja: uma história sobre o fim do mundo ainda consegue nos surpreender quando escolhe o caminho mais seguro?

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Escrito por

Erick Sant Ana

Redator, negro, TDAH, amante da cultura geek e de uma boa coquinha gelada. Adoro histórias, sejam elas contadas através de livros, filmes, séries, HQs ou até mesmo fofocas. Sempre vi nos livros não apenas uma válvula de escape, mas também uma forma de diversão. Com o tempo, essa paixão se expandiu para o universo dos filmes e das séries. Após anos sem ter com quem compartilhar essas paixões, decidi falar sobre elas na internet.