

Sabe aquela sensação de que já viu esse filme antes? O cara popular, o vestiário fértil de testosterona, a garota misteriosa com um trauma profundo, a trilha sonora com um pop chiclete e uma coreografia desajeitada no refeitório. Pois é. A comédia universitária passou anos repetindo o mesmo ritual de passagem branco, hétero e previsível. Até que chega Overcompensating e faz exatamente o contrário: repete o ritual, mas troca o figurino. E o ponto de vista. E o volume de vergonha alheia também.
A série chega como quem não quer nada, com ares de comédia bobinha de campus, mas logo mostra que sabe o que tá fazendo. E não é pouco.
Leia também: “Dead Boy Detectives” – sim, estou apaixonado por garotos mortos | 1ª Temporada {Crítica}
O que diabos é Overcompensating e por que você devia se importar?
Você já reparou o tanto de energia que a gente gasta só pra parecer “ok”? Tipo, fingir que ama brainstorm às 8 da manhã ou que cerveja quente em copo plástico é sinônimo de socialização bem-sucedida. A vida adulta virou um eterno teatrinho de adequação, e a gente segue atuando no piloto automático. Overcompensating é sobre isso. Sobre como fingir ser alguém aceitável pode parecer mais urgente do que descobrir quem você realmente é.
A série, exclusiva do Prime Video, poderia muito bem ser lida como um pedido de desculpas do entretenimento por décadas de piadas de mau gosto com personagens LGBTQIA+. Mas ela escolhe outro caminho: o da sátira afiada com afeto. Criada, escrita e protagonizada por Benito Skinner, Overcompensating ri das feridas sem minimizar a dor. E esse equilíbrio é raro.
A história gira em torno de Benny — ex-capitão do time de futebol, gay no armário, viciado em controlar narrativas e recém-chegado à faculdade, esse campo minado onde todo mundo tenta parecer descolado, mas ninguém sabe o que tá fazendo. Com o jeitão de besteirol tipo American Pie, misturado à franqueza desconfortável de Chewing Gum e Insecure, a série não prega moral nem acena com lição de casa. Só mostra o caos, e deixa você se identificar se quiser. Ou se tiver coragem.
O ponto alto da série não é o coming out em si, mas o processo doloroso de se despir da persona montada pra sobreviver. Benny não está só no armário, ele está dentro de uma fantasia de “macho ideal” feita sob medida pra agradar a família, os colegas de time e a si mesmo. Só que o zíper começa a abrir, e não tem volta.
Nesse caos, Benny encontra seu amor: Carmen
É nesse caldeirão de inseguranças e performances que Benny tromba com Carmen — e, olha, o encontro dos dois poderia facilmente cair no clichê da “amiga que entende tudo”, aquela figura maternal disfarçada de caloura descolada. Mas Overcompensating não é preguiçosa. Carmen não serve como acessório emocional de protagonista gay nenhum. Ela não está ali pra dar lições, nem pra segurar vela. Ela está afundando junto. E essa honestidade é o que faz dela um dos pilares mais potentes da série.
Carmen chega carregando um luto mal resolvido pela morte do irmão e uma obsessão quase desesperada por aprovação social. Mas, ao contrário do que a autoconfiança performática sugere, ela é uma bomba-relógio emocional: se molda pra caber, se sabota pra pertencer, e ri alto demais pra ninguém perceber o barulho interno. Seu jeito de se proteger do mundo é performar uma versão exagerada de si mesma — assim como Benny. Eles são, em essência, espelhos rachados um do outro.


Enquanto Benny encena a heterossexualidade padrão de fábrica pra escapar do julgamento, Carmen finge que já superou tudo — o luto, a insegurança, o medo de não ser suficiente. Ambos usam o humor como escudo, as referências pop como senha secreta e os erros como trilha de migalhas até algum lugar que faça sentido. E erram muito. Juntos. Sem glamourização.
A amizade deles não é redentora, nem perfeita, nem exemplar. É uma bagunça funcional. Um apoio torto, mas verdadeiro. E é justamente por isso que funciona. A série tem a coragem de mostrar que o suporte mais valioso nem sempre vem de quem está “bem”, mas de quem está tão perdido quanto você — só que topa dividir o mapa rabiscado.
Um novo olhar sobre o besteirol: gay, pop e dolorosamente honesto
O gênero “comédia de campus” já teve seus dias de glória, mas também gerou uma ressaca coletiva em quem já se cansou de ver o mesmo grupinho de machos brancos resolvendo problemas com cerveja e frat parties. Overcompensating não só inverte essa dinâmica como faz isso de salto, gloss e referências a Glee. Aqui, o gay é protagonista, e os héteros viram alívio cômico — e não no sentido generoso do termo.
O roteiro, carregado de camadas autobiográficas, costura temas como masculinidade tóxica, sexualidade, luto, amizade e redes sociais com naturalidade, como quem cita Britney Spears no meio de uma discussão sobre existencialismo. Aliás, se você acha que isso é exagero, espere até ver a cena em que Benny canta Super Bass da Nicki Minaj num karaokê improvisado, numa mistura de libertador e absolutamente constrangedor.
Peter, Grace, Hailee: porque uma boa série não é nada sem bons coadjuvantes
É injusto falar de Overcompensating sem reverenciar seu elenco de apoio. A série entende que personagens secundários não precisam ser figurantes — e aqui, eles brilham tanto quanto (às vezes até mais que) o protagonista.
Peter, vivido por Adam DiMarco, com aquela aura de bom moço que a gente lembra de The White Lotus, convence demais como o badboy. Ele aparece em cena e dá vontade de quebrar a TV. Ele poderia ser só mais um lider de fraternidade unidimensional, mas aqui, assume o arquétipo de macho alfa babaca… com traços de humanidade que confundem. Você quer odiar, mas em alguns momentos — raros, mas reais — quase sente pena. Quase.


Grace, sua namorada, também vai se desfazendo aos poucos. A “badbitch” do campus começa a trincar, e por trás da maquiagem e das frases afiadas, surge uma menina tentando entender quem é além de “a namorada do Peter”. É sutil, mas eficaz.
E Hailee? Um fenômeno. A colega de quarto bêbada, sem filtro e viciada em conselhos de TikTok, tinha tudo pra ser caricata. Mas ela tem um timing cômico tão preciso que cada aparição parece um mini spin-off. Rouba todas as cenas, com gosto.
A estética do tempo torto (e da memória emocional)
Um dos grandes trunfos de Overcompensating é como ela manipula o tempo — e não falo só do ritmo narrativo. A série parece acontecer numa realidade paralela onde 2010 e 2025 dividem o mesmo quarto bagunçado. Um vácuo estilizado, com filtro vintage, calça de cintura baixa, referências a Glee e um tipo de nostalgia que não se decide entre homenagem e paródia. Essa ambiguidade temporal não é só charme estético: é recurso narrativo. É como se os dilemas de se assumir, performar, pertencer… simplesmente se recusassem a envelhecer. A embalagem muda, mas a insegurança continua com a mesma cara de adolescente em crise.
E é aí que entra a trilha sonora, não como pano de fundo, mas como personagem. Charli XCX — que além de assinar a produção executiva ainda faz uma ponta deliciosamente exagerada — guia a série como uma DJ do subconsciente millennial. Suas músicas, somadas a hits da Britney, ao emo dos anos 2000 e até àquele cover de “Toxic” em versão lenta que parece tocar em todo drama adolescente moderno, funcionam como arqueologia emocional. Não é só “olha como somos cool”, é mais um “a gente lembra como você se sentia quando ouvia isso sozinho no quarto”. A trilha, assim como a própria série, não quer só entreter — quer cutucar. Com glitter, sim, mas cutucar.


No fundo, Overcompensating é uma crítica vestida de meme
Uma comédia que ri enquanto cutuca feridas que todo mundo conhece, mas pouca gente encara de frente. A masculinidade tóxica, por exemplo, não é vilã caricata de comercial de cerveja — é rotina, é mecanismo, é armadura desconfortável que alguns aprendem a vestir cedo demais.
Peter é o retrato ambulante dessa lógica torta. Não é o grande vilão, mas o sintoma que não sai da sala. Vive preso a um mundo onde errar é fraqueza, sentir é ridículo, e afeto é quase um palavrão. O lema da fraternidade que ele lidera — “no homo” — é a piada mais amarga do pacote. Mais que uma graça fácil, é um espelho do que muitos homens foram ensinados a amputar dentro de si: a sensibilidade, a vulnerabilidade, o simples direito de existir sem máscaras.
Mas a toxicidade não para por aí. Benny, mesmo assumido e orgulhoso, carrega cicatrizes desse sistema que esmaga. A misoginia internalizada, o medo do “feminino demais”, a heterossexualidade compulsória disfarçada com memes e vergonha crônica. A prisão não é só invisível, é decorada com referências pop e uma necessidade exaustiva de ser “o cara”. O tempo inteiro. Sorrindo pra não mostrar o quanto isso cansa.
E essa prisão atinge também Carmen, hétero, que dança seus próprios rituais emocionais de anulação e controle, e Miles, o “interesse amoroso” de Benny, tão condicionado a parecer duro e “masculino o suficiente” que vive num teatro de dureza fingida. No fim das contas, todo mundo está ensaiando um papel. Uns com consciência, outros no piloto automático, todos tentando parecer “ok” num mundo que insiste em te empurrar moldes onde você não cabe.
O exagero como sobrevivência (e espetáculo)
O título não está à toa: Overcompensating é sobre tentar demais. Exagerar na defesa, inflar a persona, fazer de conta que a frágil não existe — e que o medo não é parte da equação. Benny não é só o “gay engraçado da comédia universitária”, é aquele que passou a vida ajustando cada gesto, pedindo desculpa silenciosa por tudo que fugisse da norma. Quem nunca fez isso, que atire a primeira pedra.
Quantas vezes a gente não exagera na piada, no look, no discurso só pra parecer “ok”? Só pra esconder que a insegurança está dando uma festa na nossa cabeça? A série não entrega respostas fáceis, mas aponta esse buraco com um sorrisinho torto. E isso é mais coragem do que a maioria das comédias tem.
Num momento em que todo mundo tem opinião pronta sobre tudo, Overcompensating é um alívio: aceita ser contraditória, entende que crescer é ridículo, e que ser você mesmo muitas vezes exige uma performance de exagero antes da sinceridade. Não é perfeita — e que bom que não é. Se você já fingiu gostar de algo pra ser aceito, escondeu uma parte sua pra não ser alvo, ou já cantou Nicki Minaj no quarto em voz baixa, talvez essa série seja o que você nem sabia que precisava.
E se não for, relaxa. Como Benny diria: exagerar é humano. Disfarçar também.
Vai ter segunda temporada de Overcompensating?
A pergunta tá na boca do povo (e no Google Trends também): Overcompensating vai voltar? Oficialmente, o Prime Video ainda está naquele clássico “não confirmamos, mas também não negamos” — mas nos bastidores a fofoca é quente. Benito Skinner, o criador e protagonista, já disse à Variety que tem planos, ideias, surtos e provavelmente alguns delírios a mais pra explorar. “Ainda temos muito mais a dizer”, soltou ele, como quem sabe exatamente onde vai cutucar na próxima rodada.
E Adam DiMarco (o Peter com cara de golden retriever confuso) não só confirmou que conhece esses planos, como descreveu tudo como “caótico, insano e ainda mais louco que a primeira temporada”. Ou seja: segura essa peruca que vem mais exagero por aí. Só falta o Prime dar o aval e botar mais glitter nesse colapso coletivo com roteiro.
Onde assistir Overcompensating?
Simples: tá no Prime Video. Desde 15 de maio de 2025, pra ser exato. Exclusivo, bonitinho, pronto pra maratonar com um lanchinho e um pouco de vergonha alheia reflexiva. Se você ainda não viu, corre. Se já viu, reveja — tem piada escondida até no figurino e trauma disfarçado até nas coreografias.
Assista ao trailer de Overcompensating
Nos siga no Instagram: @desconstruindooverbo