

Existem filmes ruins, existem filmes esquecíveis e existem filmes que parecem não ter entendido o próprio gênero, e ‘O Ritual’, dirigido por David Midell, consegue a proeza de reunir a parte do “filmes ruins” e do “parecem não ter entendido o próprio gênero” em uma experiência que beira o involuntariamente cômico. Vendido como “a história real que inspirou O Exorcista”, o longa se ancora em uma promessa inflada de profundidade e horror visceral, mas entrega uma produção apática e que tropeça feio na própria ambição. É como se alguém tentasse repetir a receita de um prato clássico sem conhecer os ingredientes.
A direção de Midell opta por uma abordagem quase documental, sem nunca assumir formalmente esse estilo. A câmera flutua, tremula e se posiciona de modo quase voyeurístico, como se estivéssemos diante de um mockumentary, o que poderia ser interessante dentro de uma proposta realista, mas sem um enquadramento claro para justificar essa estética, o efeito acaba sendo o oposto: a sensação é de que estamos vendo uma mistura brega entre O Exorcista e The Office, em que os personagens estão a um passo de encarar a câmera e soltar um comentário irônico. Num filme de terror, esse tipo de erro mata completamente qualquer tensão que se pretendia construir.
Avisa que a demônia é quem salva (um pouco) o filme…
Para quem não tá sabendo, em ‘O Ritual’ (2025), um padre veterano (Al Pacino, visivelmente cansado) e um padre questionando sua fé (Dan Stevens, tentando dar profundidade a um roteiro raso) se envolvem no caso de possessão de uma jovem chamada Emma Schmidt (vivida por Abigail Cowen). Basicamente o filme é isso, tá?
O roteiro se arrasta nesse padre cético e em dúvida existencial, o desenvolvimento dos personagens é quase nulo, não se cria empatia e muito menos se estabelece um arco dramático realmente sólido. Quando o clímax chega, ele parece acontecer mais por exigência contratual do que por qualquer construção orgânica. É um “susto” aqui, um grito ali, e nada que se sustente emocional ou narrativamente.
O que salva um pouco o filme é a performance da nossa “possuída” Abigail Cowen, conhecida pelo seu trabalho na série da Netflix ‘Fate: A Saga Winx’. A querida mostra que também consegue entregar densidade dramática, mesmo quando o roteiro não colabora. Ao lado dela, Al Pacino e Dan Stevens fazem o que podem, mas estão visivelmente perdidos dentro da proposta estética bagunçada do longa, enquanto Ashley Greene (a nossa eterna Alice Cullen, da saga ‘Crepúsculo’) tenta, sem sucesso, encontrar espaço em meio a cenas apressadas de sua personagem, a “irmã” Rose (que aparentemente o filme tenta insinuar alguma tensão emocional ou afetiva entre ela e o padre Joseph, personagem do Dan Stevens).
Um ritual sem fé e sem alma
As cenas de exorcismo, que poderiam ser o ponto alto do filme, acabam sendo uma colcha de retalhos de referências já conhecidas do gênero: contorcionismos, vozes guturais, olhos revirados, objetos se mexendo sozinhos, tudo milimetricamente coreografado, porém sem alma. E não é que sejam mal feitas tecnicamente (há uma competência na maquiagem e na edição de som), mas são tão previsíveis que a sensação é de estar vendo um “melhores momentos” do gênero, sem muita identidade própria.
“O Ritual” parece ser mais interessante no famoso “o que poderia ter sido” do que pelo que de fato é. Ter se apoiado na questão da história real que inspirou “O Exorcista” foi um golpe publicitário que só ressalta o abismo de qualidade entre os dois filmes. Enquanto o clássico de William Friedkin permanece até hoje como um estudo meticuloso sobre fé, medo e culpa, o filme de Midell parece apenas mais um filme para entrar nos catálogos de streaming.
Quando o terror falha, só resta rir e reclamar com os amigos
Mas veja bem: nem tudo está perdido. ‘O Ritual’ talvez não funcione como filme de terror, nem como drama, nem como documentário, mas pode ser uma excelente escolha se a proposta for juntar os amigos para assistir e reclamar em coro. É aquele tipo de filme que une pelo ranço, que rende comentários indignados, risadas involuntárias nas horas erradas e aquele prazer catártico de dissecar cena por cena para entender em que momento tudo deu tão errado, sabe? Nesse sentido, ele se torna uma experiência curiosamente divertida, não pela qualidade da obra, mas pelo espaço que ela abre para o caos coletivo de crítica. Um so bad it’s good que para na parte do “bad” mesmo.
‘O Ritual’ já está nos cinemas brasileiros! E aí, vai dar seu “sagrado” dinheirinho para ver essa produção?