

Se você cresceu assistindo comédias românticas, sabe bem: há algo reconfortante em ver duas pessoas aparentemente incompatíveis se encontrarem e tropeçarem até o final feliz. Para os millennials, esse gênero era praticamente um porto seguro, uma rotina de previsibilidade doce em meio ao caos da vida real. Mas, durante anos, as grandes franquias e produções megalomaníacas praticamente engoliram essas histórias íntimas, deixando pouco espaço para o charme contido do romance cotidiano. Nos últimos dois anos, entretanto, parece que o gênero voltou a ganhar fôlego, agora mais maduro, irônico e consciente do mundo real.
E é nesse retorno que entra Ninguém Quer, série de comédia romântica que desafia convenções e prova que ainda há espaço para histórias de amor inteligentes e divertidas, mesmo que não venham embrulhadas em glitter hollywoodiano.
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Por que séries de comédia romântica são um terreno raro
O cinema sempre abraçou o romance com uma naturalidade que as séries raramente conseguem. O motivo? A estrutura do “ida e volta até o final feliz” funciona bem em duas horas, mas prolongar a mesma dinâmica por temporadas pode se tornar cansativo. Por isso, na televisão, casais icônicos quase nunca têm como trama central apenas o romance. Pense em Jim e Pam de The Office, Marshall e Lily de How I Met Your Mother, ou Rory e Jess de Gilmore Girls: eles se provocam por anos, mas o enredo é sempre mais do que o namoro.
É aí que Ninguém Quer se destaca. Na primeira temporada, a série consegue colocar Joanne e Noah no centro da narrativa sem tornar a relação cansativa. Eles discutem, se provocam, se entendem e se perdem, tudo em meio a um contexto maior de família, fé e identidade. Uma façanha que merece atenção, considerando o histórico das séries de comédia romântica.
Inspirada na vida real de Erin Foster
Baseada nas experiências de Erin Foster, Ninguém Quer segue Joanne, uma podcaster cínica sobre sexo, e Noah, um rabino moderno que acabou de sair de um relacionamento longo. A premissa parece piada pronta: uma podcaster agnóstica encontra um rabino — mas a série transforma esse encontro em algo genuinamente encantador.
O show não ignora as tensões do romance inter-religioso, a pressão familiar ou a rivalidade entre irmãos. Pelo contrário, esses elementos estão presentes de forma orgânica, sem virar manual de etiqueta ou drama exagerado. A história se desenrola de maneira direta em dez episódios, e mesmo assim consegue questionar algo fundamental: será que o amor basta quando duas pessoas vêm de mundos tão diferentes?
Kristen Bell e Adam Brody assumem a trama com delicadeza, dando a Joanne e Noah uma química palpável. O público sente cada dúvida, cada risada contida e cada toque de vulnerabilidade, se apaixonando junto com eles, mesmo sabendo que o romance está repleto de obstáculos.


Joanne e Noah: duas metades imperfeitas que se completam
Joanne é aquele tipo de personagem que parece arrancada da vida real: talentosa para o trabalho, mas especialista em escolher homens totalmente errados. Noah, por sua vez, está prestes a se tornar rabino-chefe e acabou de romper com a garota perfeita. Ao contrário do clichê do casal “compatível à primeira vista”, eles desafiam expectativas. A família de Noah, com exceção do irmão Sasha, desaprova, enquanto a irmã de Joanne, Morgan, acha que o romance vai atrapalhar o podcast sobre solteiros da cidade.
O que torna o relacionamento tão fascinante é que ambos realmente conversam sobre sentimentos e inseguranças. Não é apenas atração física ou química instantânea: é intimidade emocional, aquela que você não compra em aplicativos de namoro ou encontros às cegas. Joanne e Noah se conhecem, se provocam e se descobrem, e nesse processo, o público se deixa envolver pelo charme da narrativa.
Humor, cultura e tensão familiar
Ninguém Quer brilha ao equilibrar humor com temas complexos. As conversas sobre sexo e tradição judaica não são apenas engraçadas, mas também oferecem insights sobre identidade, comunidade e valores familiares. A série não foge das contradições da vida real: Joanne questiona regras judaicas, enquanto Noah pondera sobre a importância da linhagem e do sangue na tradição. Esses diálogos poderiam parecer forçados, mas são naturais, refletindo o olhar atento de Erin Foster sobre relações contemporâneas.
Além disso, o elenco de apoio é impecável. Justine Lupe, Timothy Simons, Paul Ben-Victor e Tovah Feldshuh acrescentam camadas de humor e ternura, construindo uma comunidade que se sente real. As provocações dos irmãos, a tensão entre cunhadas e a suavidade dos pais criam um ecossistema familiar convincente, que apoia o romance central sem ofuscá-lo.


Ninguém quer Romance e cotidiano?
Assistir a Ninguém Quer é quase um exercício de nostalgia e reflexão. Em tempos de fadiga de aplicativos e encontros rápidos, ver Joanne e Noah se relacionando à moda antiga — com conversas profundas, honestidade e vulnerabilidade — é quase subversivo. O show nos lembra que o amor é tanto sobre rir junto quanto sobre enfrentar dificuldades, e que diferenças culturais e religiosas não são barreiras intransponíveis, mas terrenos de aprendizado.
É impossível não comparar com relacionamentos do mundo real, com aquelas tensões familiares que todos tentamos evitar e com a expectativa constante de “dar certo”. A série transforma dilemas cotidianos em narrativa envolvente, sem perder a leveza nem se tornar moralista.
Será que o amor basta?
Ao final da primeira temporada, Ninguém Quer deixa uma provocação clara: será que o amor é suficiente para sustentar uma relação quando mundos tão distintos se encontram? Joanne e Noah não oferecem respostas fáceis, mas a série mostra, com humor e sensibilidade, que vale a pena tentar.
No fundo, essa é a magia de Ninguém Quer: ela não promete finais perfeitos, mas cria personagens com os quais nos preocupamos, rimos e nos emocionamos. É uma lembrança de que, mesmo no caos das diferenças culturais e familiares, ainda há espaço para romance inteligente, divertido e provocador.
Se você está cansado das comédias românticas previsíveis, talvez seja hora de se deixar levar por Joanne e Noah. E a pergunta que fica é simples e direta: será que você conseguiria fazer um amor tão improvável funcionar?
Assista o trailer de “Ninguém Quer”
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