

Algumas séries teens me surpreendem… Mentirosos não foi exatamente uma delas
Tenho um fraco por séries adolescentes. Gosto de ver gente jovem tomando decisões ruins em cenários esteticamente agradáveis. Às vezes, elas me surpreendem. Trazem dilemas reais, boas atuações, aquele roteiro que faz a gente lembrar da nossa própria bagunça emocional dos vinte e poucos anos. Mas com Mentirosos, da Amazon Prime, a experiência foi mais parecida com abrir um pacote de bolacha e perceber que todas estão quebradas.
Fui assistir sem saber muito. Só sabia que o livro fez barulho em 2015 no mundinho literário da internet. Fui com a mente aberta e uma ponta de esperança. Spoiler: só a esperança ficou no caminho.
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A prima pobre e mal resolvida de Big Little Lies
Logo de cara, a série tenta nos seduzir com aquela fórmula já conhecida: gente rica, casas lindas, paisagens deslumbrantes e segredos de família guardados a sete chaves. A história gira em torno da Cadence Sinclair, herdeira de uma família podre de rica que passa os verões em uma ilha particular, a famosa Beechwood.
Lá, ela forma um quarteto inseparável com os primos Johnny e Mirren, e com Gat, o amigo “forasteiro” que além de outsider social, também carrega o peso de ser o único personagem racializado nesse mar de gente branca e problemática. Juntos, eles se autointitulam “os Mentirosos”. Nome pretensioso? Bastante. Mas a série nem tem vergonha disso.
Tudo vai na paz de Instagram de verão até que, num dos verões, acontece um acidente que apaga parte da memória da Cadence. Ela volta à ilha no ano seguinte, com enxaquecas, crises emocionais e uma necessidade quase obsessiva de descobrir o que de fato rolou naquela noite em que tudo mudou. Mas a família? Silêncio absoluto. O tipo de silêncio que grita mais alto que qualquer diálogo mal escrito.


Uma aula de como desperdiçar um bom cenário (e um bom mistério)
A proposta até parecia promissora: um thriller psicológico com camadas de crítica social e drama familiar. Só que, na prática, a execução é… preguiçosa. O roteiro se arrasta como quem sabe que tem pouco a dizer, mas precisa preencher oito episódios de quase uma hora cada.
A narração em off tenta desesperadamente dar profundidade à Cadence, mas o máximo que consegue é criar um clima de diário de Tumblr com pretensões literárias. Enquanto ela caminha por praias vazias e faz cara de sofrimento existencial, a gente só consegue pensar: “Será que no próximo episódio alguma coisa acontece?”.
O mistério do que aconteceu naquela noite até segura a curiosidade por uns dois episódios. Depois, vira um festival de cenas que mais parecem encheção de linguiça de workshop de roteiro: flashbacks vazios, olhares enigmáticos, personagens que entram e saem de cena sem propósito claro.
O elenco adulto jogando nas costas a dignidade do projeto
Se Mentirosos não afundou de vez, é porque o elenco adulto segurou o barco com a força de quem já viu coisa pior na carreira. Candice King faz da Bess uma mãe neurótica com toques de comédia involuntária. David Morse é o avô patriarca que consegue te dar medo com um simples levantar de sobrancelha. Toda a toxicidade da família Sinclair ganha alguma credibilidade graças a eles.
Enquanto isso, o elenco jovem… bom… Emily Alyn Lind até tenta dar camadas pra Cadence, mas acaba parecendo mais perdida que a própria personagem. Gat, o par romântico com discurso anticapitalista de Instagram, é o menos irritante do grupo. O resto dos “Mentirosos”? Figurantes de luxo com falações genéricas.


O jantar do penúltimo episódio: único momento onde tudo quase fez sentido
Curioso como só fui começar a gostar da série de verdade lá no penúltimo episódio. Tudo por causa de uma cena de jantar onde os podres da família finalmente vêm à tona. É tenso, é desconfortável, tem aquela energia de briga de Natal que todo mundo conhece. Por alguns minutos, parece que Mentirosos vai entregar tudo o que prometeu.
Aí vem o episódio final com o bendito plot twist. E aqui, justiça seja feita: é um dos mais corajosos que já vi em série teen. Daqueles que fazem você pausar o episódio, olhar pro nada e pensar: “Eles tiveram coragem MESMO de fazer isso?”. Tiveram. Pena que o impacto emocional que eles queriam causar ficou comprometido por uma temporada inteira de personagens mal desenvolvidos.
É difícil se comover com a tragédia de gente que você mal conhece, mal entende, mal consegue torcer.
Quando a crítica social fica no PowerPoint e nunca vai pro roteiro
Outro problema de Mentirosos: a falsa sensação de profundidade. A série até flerta com discussões sobre racismo estrutural (Gat que o diga), privilégios de classe, dependência química e até violência doméstica. Mas tudo é tratado de forma tão superficial que parece pauta de reunião de brainstorm que ninguém quis aprofundar.
A relação entre Gat e Cadence tinha tudo pra ser o fio condutor dessa camada social. Só que Gat, mesmo sendo a voz da consciência racial ali no meio, logo vira apenas o interesse romântico que aceita ser mal tratado em nome de um amor juvenil questionável.
As microagressões do avô Harris são mencionadas, as tensões familiares são apontadas, os dilemas de classe são jogados… mas tudo é tão corrido e raso que fica difícil levar a sério.
Mentirosos: quando a estética engana mais que o roteiro
Se tem uma coisa que Mentirosos entrega, é estética. A ilha Beechwood é quase um personagem à parte. O trabalho de fotografia é digno de elogio. Tem cena bonita? Tem. Tem slow motion com olhar perdido? Tem. Tem trilha sonora indie pra dar aquele clima de “estou me afundando emocionalmente mas com estilo”? Também tem.
Mas o problema é que o pacote é bonito… e vazio. Tipo uma caixa de presente com só papel de seda dentro.
A série queria ser uma mistura de suspense psicológico com crítica social, com um toque de coming-of-age dramático. No fim, virou um Frankenstein narrativo que parece não saber que público quer agradar.


Pra encerrar: você mente pra si mesmo ou assiste Mentirosos sabendo o que vai encontrar?
Se você gosta de sofrer, se tem TOC de terminar tudo o que começa, ou se tá num domingo entediante onde qualquer coisa serve de pano de fundo… pode dar o play.
Agora, se você valoriza boas atuações, desenvolvimento de personagem e uma narrativa que realmente te faça sentir algo antes do oitavo episódio… minha dica é: fuja da ilha.
No fim das contas, o maior mistério de Mentirosos não foi o acidente que mudou a vida da Cadence. Foi entender como uma história com tanto potencial conseguiu ser tão esquecível.
Assista ao trailer de “Mentirosos”
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