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O cinema brasileiro ganha uma obra de profunda humanidade e relevância social com a estreia de Apolo (2025), dirigido por Tainá Mueller e Isis Broken. Longe de ser apenas um registro de uma gestação, o filme se estabelece como uma carta de amor de um casal transcentrado para o filho. A produção consegue equilibrar a doçura da espera com a aspereza da realidade enfrentada pela parentalidade trans no Brasil, entregando uma experiência cinematográfica que é, simultaneamente, linda e dolorida.

Apolo narra a jornada de Isis e Lourenzo, um casal transcentrado que, em meio ao isolamento e à incerteza da pandemia de COVID-19, se depara com uma gravidez não planejada. O filme documenta a luta do casal para garantir o direito fundamental a um pré-natal digno, respeitoso e especializado para a criança que estava por vir. A narrativa acompanha as tentativas de adaptação à nova realidade, a preparação para a chegada do bebê, a mudança de região do país e, sobretudo, os confrontos diretos com a transfobia estrutural na busca por atendimento médico, registrando esses episódios através de cenas íntimas e, em alguns momentos, de denúncias gravadas com celular.

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O peso da realidade e a força do afeto

Para quem já acompanha a trajetória de Isis e Lourenzo desde o início, a “ressonância” do filme é ainda mais intensa. Apolo destila a complexidade de se preparar para a paternidade e maternidade em um cenário de pandemia, somando a isso o desafio existencial de se afirmar enquanto pais transcentrados em uma sociedade que ainda insiste em invalidar e atacar essas identidades. O documentário captura essa loucura da preparação de forma autêntica, mas sem suavizar as dificuldades inerentes à vivência trans no país que lamentavelmente detém estatísticas alarmantes de violência contra a nossa população.

A grande maestria de Tainá Mueller e Isis Broken reside na forma como a história é contada: de maneira delicada e visivelmente embalada em amor. O filme não foge de mostrar a dor e a transfobia, utilizando o material gravado em celular para expor a dura realidade da busca por um atendimento básico. No entanto, essa dureza é contrabalanceada pela ternura das interações do casal, que se apoia e se celebra em meio ao caos. Então ele não apenas documenta uma gestação, mas a construção de uma família que desafia os padrões cisnormativos.

Um dos pontos altos da produção são as cenas gravadas em estúdio. Esses momentos funcionam como um espetáculo à parte, quebrando a linearidade do registro documental e injetando uma dose de arte e poesia na narrativa. Elas servem como um respiro estético e emocional, ajudando a embelezar e trazer leveza para o conteúdo que, por vezes, é muito pesado e indignante (como as cenas de denúncia). É nessas sequências que a beleza da concepção de Apolo se manifesta em sua plenitude.

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Um filme necessário

Apolo é um filme necessário e urgente. Ele é um lembrete de que a busca por direitos básicos de saúde e respeito é uma luta diária para a população trans brasileira. É uma obra que, ao mesmo tempo em que expõe a crueldade da transfobia, celebra a capacidade de amar e resistir. É uma emocionante jornada de vulnerabilidade e força, deixando claro o desejo do casal de que esta seja uma mensagem e um legado de amor para “Apolinho”, que chegou para iluminar a vida deles.

O documentário tem sua estreia marcada para o dia 27 de novembro em cinemas selecionados do Brasil. Uma oportunidade imperdível de testemunhar essa história de resistência, afeto e potência familiar.

Assista ao trailer oficial de ‘Apolo’:

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Escrito por

Hugo Vicente

Trans Não Binária apaixonada por design, moda, fotografia, filmes e séries. Ativista e (às vezes) Criadora de Conteúdo Digital informativo LGBTQIAP+.