

Reencontrar uma série querida é um pouco como rever um velho conhecido: a memória carrega afeto, mas o presente insiste em mostrar que as coisas mudaram. E nem sempre pra melhor. “Demolidor: Renascido” é exatamente isso. Um retorno esperado, vestido com os traços do passado, mas que parece funcionar melhor na intenção do que na execução. Para quem acompanhou a trilogia da Netflix, o novo começo deixa mais perguntas do que certezas.
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Quando o legado pesa mais que o presente
Antes de falar da nova fase, é preciso lembrar do que veio antes. A série original da Netflix teve três temporadas bem resolvidas: sombrias, violentas e com um desenvolvimento que respeitava o tempo do herói e do espectador. Charlie Cox construiu um Matt Murdock crível, intenso, e Vincent D’Onofrio entregou um Rei do Crime assustador sem precisar levantar a voz.
Com o retorno dos direitos do personagem para a Disney, veio também a expectativa: ver esses personagens inseridos no MCU, mas com a mesma profundidade que os consagrou. Quando confirmaram que “Demolidor: Renascido” seria voltado para maiores de 18 anos, houve um certo alívio. Pelo menos em teoria, a violência e o clima mais denso estariam preservados.


A tentativa de retomar algo que já foi
“Demolidor: Renascido” tenta ser um soft reboot. Um recomeço que não nega o passado, mas busca seguir por novos caminhos. A intenção é clara, mas desde o primeiro episódio, fica evidente que algo se perdeu no trajeto.
A série recupera a estrutura clássica com cenas longas de combate, como o tradicional plano-sequência. Mas a execução entrega menos do que promete. As lutas não têm a mesma intensidade crua, as coreografias parecem mais ensaiadas do que orgânicas, e o uso visível de CGI quebra o impacto que a proposta pedia.
Conforme os episódios passam, isso só se intensifica. A direção carece de precisão, os cortes nas cenas de ação são excessivos, e a violência, ao invés de narrativa, soa mais como declaração de intenções. Como se a Disney estivesse tentando provar que também sabe ser “séria”. Mas maturidade, aqui, aparece mais como estética do que como substância.
Um enredo que repete passos antigos
O roteiro também não escapa dessa sensação de repetição. Muito do que é apresentado já foi trabalhado — e melhor — na terceira temporada da série original. O conflito entre Murdock e Fisk retorna, com ambos tentando escapar de suas naturezas, apenas para admitir que são aquilo que sempre foram. Já conhecemos essa história.
Ainda assim, é justo dizer que, comparada a outras produções do MCU, “Demolidor: Renascido” tenta ir por um caminho mais sóbrio — e isso já é um respiro. O tom sombrio, os dilemas morais e a dimensão psicológica estão presentes, e representam algo que o MCU vinha precisando há tempos: uma narrativa com peso, sem piadinhas a cada cinco minutos ou vilões genéricos ameaçando o universo inteiro. Mesmo com seus problemas, “Renascido” ainda entrega mais do que muita coisa que a Marvel lançou nos últimos anos. Cox e D’Onofrio continuam sendo pilares fortes, e o embate ideológico entre Matt e Fisk ganha novas camadas ao se conectar com temas como corrupção sistêmica e autoritarismo.


É interessante também ver a Marvel optando por uma narrativa mais contida, sem ameaças cósmicas ou riscos interdimensionais. A trama se desenrola em Nova York, nos becos e corredores que sempre foram o território do Demolidor — e é aí que algo começa a destoar. Se estamos falando de caos urbano em plena Cozinha do Inferno, onde está Peter Parker? Um vigilante enfrentando crises urbanas sem que o Homem-Aranha sequer seja mencionado soa, no mínimo, deslocado. Claro, talvez seja mais uma expectativa minha do que um furo narrativo propriamente dito. Mas dentro de um universo interconectado como o MCU, a ausência incomoda.
Além disso, faz falta uma figura central que já havia se tornado essencial: Karen Page. A ausência de Deborah Ann Woll no elenco fixo da série é sentida. Karen era uma das personagens mais bem construídas do universo anterior, e sua presença agregaria não só emocionalmente, mas também narrativamente. Aqui também pode ser uma questão de expectativa pessoal, mas ainda assim, a falta pesa.
O ritmo irregular e os respiros possíveis
O ritmo da série sofre. Algumas tramas se resolvem depressa demais; outras se alongam sem justificar o tempo que tomam. Isso é reflexo claro da reestruturação ocorrida durante a produção. E para piorar, há soluções fáceis demais em momentos onde se esperava mais densidade.
Um respiro vem com o episódio do tribunal envolvendo o Tigre Branco. Ali, a série mostra outra face de Matt: o advogado. E é justamente nesse espaço, menos carregado de ação, que o personagem respira melhor. Para quem sempre viu Matt apenas como o Demolidor, pode ser uma quebra de expectativa. Mas é uma quebra bem-vinda.


O reboot como espelho dos nossos tempos
Talvez o maior problema de “Demolidor: Renascido” não seja o que ela é, mas o que tenta ser. Existe uma distância entre retomar uma história e realmente reconstruí-la com significado. O resultado é uma obra que se esforça demais para parecer madura, mas que parece desconectada da força que tinha.
É uma produção que caminha entre a nostalgia e a reinvenção, mas tropeça justamente ao tentar equilibrar esses dois lados. O que poderia ser uma evolução natural da série acaba soando como um esforço hesitante de manter o que funcionou, sem ousar de fato em novas direções.
Um futuro possível, mas incerto
“Demolidor: Renascido” está longe de ser um fracasso completo. Mas também está distante do que poderia ser. Há pontos fortes, como as atuações e o retorno do clima sério, e ainda existe um potencial a ser melhor explorado. Mas para isso, a série precisa entender que amadurecimento é algo mais profundo do que cenas violentas e discursos graves.
A próxima temporada pode encontrar um caminho mais consistente. Ser contido é uma qualidade. Ter coragem de desacelerar também. E quem sabe, se permitir mais conexões com esse universo onde tudo acontece, ajude a série a encontrar o tom certo.
No fim, vale assistir. Não com a esperança de reviver o que já passou, mas com o olhar atento de quem quer entender o que está sendo feito com personagens que merecem mais. Nem todo reboot é renascimento. E talvez, reconhecer isso já seja um bom começo.
“Demolidor: Renascido” está disponível no Disney+
Assista ao trailer de “Demolidor: Renascido”
Vai ter segunda temporada de Demolidor: Renascido?
Sim, vai! A série já está confirmada para a segunda temporada. Originalmente pensada como uma história de 18 episódios, foi dividida em duas temporadas de 9 episódios. E a segunda já está em produção.
Brad Winderbaum, chefe da divisão de TV da Marvel, confirmou que o lançamento está previsto para 2026, mas ainda sem data certinha.
E, sim, o elenco também está voltando! Ayelet Zurer, que faz a Vanessa Fisk, já confirmou seu retorno e disse que sempre sentiu que sua personagem tinha muito mais a explorar. Já Deborah Ann Woll (Karen Page) e Elden Henson (Foggy Nelson) também estarão de volta, o que já cria aquele clima de “como eles vão trazer o Foggy de volta, já que ele foi ‘morto’ na primeira temporada?”
A produção está animada com o que vem por aí, prometendo mais ação e cenas incríveis. Parece que o ritmo vai pegar fogo mesmo!
Quanto ao enredo, a tensão entre Matt Murdock e Wilson Fisk (agora prefeito de Nova York) vai continuar, além de mostrar as consequências dos eventos finais da primeira temporada. E, claro, mais problemas para o Demolidor resolver.


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