O ano mal começou, e já me peguei refletindo sobre o tempo. Entre garfadas nas sobras da ceia de Ano Novo – porque, convenhamos, quem resiste a pernil e salpicão no dia seguinte? – resolvi assistir meu primeiro filme de 2025: “Thelma”. Era 01 de janeiro, e enquanto o calendário marcava o início de um novo ciclo, o filme me lembrou que a passagem do tempo é uma dessas coisas que a gente só percebe de verdade quando olha para trás. E é exatamente isso que “Thelma” aborda, de um jeito que mistura humor, ação e emoção.
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Dirigido por Josh Margolin, em sua estreia no comando de um longa-metragem, “Thelma” traz June Squibb como protagonista. Ela interpreta uma viúva de 93 anos que, após cair em um golpe online, decide virar o jogo e enfrentar o trapaceiro que a enganou. Não espere explosões ou perseguições de carro no estilo Hollywood, mas acredite: a história prende e emociona de um jeito inesperado.
June Squibb é a alma do filme. Aos 95 anos, ela brilha com uma atuação que transborda autenticidade. Você sente cada momento de fragilidade e força em Thelma, que não deixa a idade ditar o que pode ou não fazer. Richard Roundtree, em uma de suas últimas atuações, interpreta Ben, o amigo que embarca nessa jornada com ela. Juntos, os dois entregam uma química que é ao mesmo tempo divertida e tocante. É o tipo de conexão que nos lembra que nunca é tarde para fazer amigos ou para viver aventuras.
O roteiro de Margolin é inteligente e sensível. Ele consegue equilibrar cenas engraçadas com momentos que nos fazem engolir em seco, sempre tratando sua protagonista com respeito. Em vez de rir dela, o filme nos faz rir com ela. E isso faz toda a diferença. Além disso, “Thelma” toca em questões importantes, como a luta pela independência na velhice e a forma como a sociedade tende a subestimar os mais velhos. Esses temas, muitas vezes deixados de lado no cinema, aqui ganham o destaque que merecem.
Visualmente, o filme também não decepciona. A cinematografia de David Bolen alterna bem entre os cenários urbanos amplos e os momentos mais íntimos. A edição, feita pelo próprio Margolin, mantém o ritmo dinâmico sem sacrificar os momentos de pausa necessários para que a história respire. Ainda assim, algumas escolhas narrativas podem exigir do público uma boa dose de suspensão de descrença, especialmente nas partes mais exageradas da trama.
Se tem uma coisa que “Thelma” faz bem é desafiar estereótipos. Estamos acostumados a ver personagens idosos relegados a papéis secundários ou unidimensionais. Aqui, eles são o centro da história, com toda a complexidade e humanidade que merecem. O filme nos lembra que envelhecer não é sinônimo de desaparecer – muito pelo contrário. E essa mensagem é transmitida de forma acessível, sem sermões ou pretensões.
Claro, nem tudo é perfeito. A subtrama envolvendo o neto de Thelma, por exemplo, não recebe o desenvolvimento que merecia e acaba parecendo desconectada do restante da narrativa. Mas, no grande esquema das coisas, isso é um detalhe que não compromete o impacto geral do filme.
No fim das contas, “Thelma” é uma celebração da vida em todas as suas fases. É um lembrete de que a idade é apenas um número e que nunca é tarde para se reinventar, lutar pelo que acredita ou simplesmente aproveitar o momento. Começar o ano com esse filme foi como um abraço caloroso que me deixou pensando: se o cinema tem esse poder de nos emocionar e provocar reflexões, então talvez o tempo que tanto nos preocupa não seja tão implacável assim.
Recomendo “Thelma” para quem quer rir, se emocionar e, de quebra, repensar como enxergamos o envelhecimento. Porque, no final das contas, o que importa mesmo é como escolhemos viver – não importa quantos anos já passaram.