Adaptar uma obra literária é algo quase sempre arriscado, perigoso e complexo de se fazer, principalmente quando a obra é brasileira e carrega um peso cultural imenso. Para começar, a linguagem literária do brasil, em outros anos, torna-se algo robusto e com uma riqueza imensurável. Tem-se a escolha então de utilizar desta linguagem integralmente ou adaptá-la para os tempos atuais. Ao nosso ver, o que faz mais sentido? Isso pode diminuir o impacto de uma obra? Como se dá-se essa análise do que é relevante fazer e o que não é? Esta é uma das principais perguntas que pairou no ar ao presenciar o longa “Grande Sertão”, adaptado da obra de Guimarães Rosa que toma vida na tela dos cinemas trazendo uma história emblemática e grandiosa, digna de grandes debates, estudos e reflexões. Onde o espectador fica no meio desta adaptação? É o que vamos refletir um pouco nesta crítica onde trago os principais sentimentos do filme. 

Sinopse

Grande Sertão adapta o clássico romance da literatura brasileira, Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, para a realidade da periferia urbana. A comunidade “Grande Sertão” é controlada por facções criminosas e, Riobaldo (Caio Blat) acaba entrando em uma delas para seguir Diadorim (Luisa Arraes), cuja identidade e a paixão que sente são mistérios conflitantes em sua cabeça. A partir de então, em meio a um ambiente hostil de guerra, Riobaldo enfrenta dilemas éticos, morais e existenciais.Verifique a classificação indicativa no Portal Online da Cultura Digital.

É lindo ver uma obra tomar forma, mas triste ver uma linguagem tão distante

É distante do espectador, rebuscado, engessado e tenta forçar uma conversa com o nosso cotidiano que existe na teoria, mas deixa de lado na prática. A teatralidade no cinema é um fenômeno que pode mais atrapalhar do que enaltecer e tornar mais profunda uma obra. Neste caso, Grande Sertão optou por utilizar recursos teatrais que forçam os limites entre o real e a ficção, ficando ali no meio do caminho, sem uma completa definição do que o longa quer passar, qual é o seu papel real e a finalidade para qual foi criado. Tudo fica muito distante, quase que inalcançável, como um grande muro que o espectador tenha que escalar para compreender as entrelinhas.

Grande Sertão: uma adaptação teatral demais e distante da linguagem cinematográfica {Crítica}
Imagem: Divulgação / Paris Filmes

Claro que, o aspecto lógico da obra é entendível, potente e completamente claro. É uma história de luta e sobrevivência, mas sobretudo, de amor. O que atrapalha são tantas cenas impessoais, perdidas, desconexas, sem o compromisso de criar uma relação com o espectador, destrinchar todas as palavras e torná-las mais palpáveis. 

A narração de Caio Blat soa uma poesia não tão convidativa

A narração de um longa necessita, sobretudo, de compromisso com a história e um modo de contá-la que nos deixe mais perto da obra do que distante. Caio Blat além de interpretar o majestoso Riobaldo, dá vida ao personagem ao narrar a história como forma de viver a obra literária em sua essência. A voz de Caio é, indiscutivelmente, linda e única, mas sua interpretação na fala trouxe alguns percalços que tornam a obra um pouco cansativa demais. 

Grande Sertão: uma adaptação teatral demais e distante da linguagem cinematográfica {Crítica}
Imagem: Divulgação / Paris Filmes

Já na atuação, Caio Blat talvez não seja o melhor acerto para interpretação deste personagem, mas é o que temos. É interessante ver Caio na interpretação de um personagem que muda bastante durante a narrativa, mas permanece controverso e ainda perdido. Acredito que o “ar de perdido” que o Caio passa, seja algo até positivo para o personagem, mas não sei se consegue se conectar e criar empatia com o espectador.

Luisa Arraes é o centro das atenções e merecia uma melhor caracterização

Luisa Arraes, uma das nepo babys mais nepo do Brasil e com um talento estrondoso. Luisa interpreta Diadorim, um personagem complexo, controverso, misterioso e que consegue encantar o espectador com sua inocência sobre o mundo e sua bravura desmedida. Luisa além de defender muito bem seu personagem, não o deixa cair em nenhum momento do filme, mantendo sua convicção e sua grande e pesada armadura até o fim.

Grande Sertão: uma adaptação teatral demais e distante da linguagem cinematográfica {Crítica}
Imagem: Divulgação / Paris Filmes

Quando eu digo que Diadorim merecia uma melhor caracterização, é pela nitidez absurda que se dá na tela do cinema e, em pleno 2024, nós sabemos que existem recursos suficientes para transformar um personagem e deixá-lo o mais próximo possível do que o seu papel precisa.

Rodrigo Lombardi, Luís Miranda e Eduardo Sterblitch causam um impacto imenso

Três grandes nomes do cinema brasileiro e que conseguem entregar interpretações e caracterizações totalmente distintas uma das outras, mas com impacto gigantesco. Lombardi, nosso ilustre, interpreta Joca Ramiro, um nobre guerreiro que nos dá medo até do seu olhar. Como seu maior inimigo, temos Bebelo, interpretado pelo maravilhoso Luís Miranda, que oferece um show de atuação muito bem entregue e conduzida. Mas quem ganha seu destaque e é um dos maiores triunfos do longa, é Eduardo Sterblitch, o temido Hermógenes. Sterblitch é impecável, uma caracterização fenomenal e extrai o máximo de seu personagem, ganhando os holofotes na história de modo merecido.

Grande Sertão: uma adaptação teatral demais e distante da linguagem cinematográfica {Crítica}
Imagem: Divulgação / Paris Filmes

Cenários mal elaborados, estética grotesca e poucos acertos na execução da obra em sua totalidade

Embora a obra peça cenários quase apocalípticos e destruídos pela barbárie, Grande Sertão acaba utilizando dos cenários de qualquer forma e passa uma estética muito crua e mal trabalhada no longa. Talvez isso seja até um problema de edição das cores e tons ou até mesmo de captação. O fato é que o longa não se torna convidativo no formato que são entregues as cenas, perdendo a chance de unir a robustez mantida na linguagem, com uma melhor coesão e profundidade nas imagens, fotografia e estética. Aqui nós vemos também muitos elementos teatrais que ficam perdidos no longa. Nós vemos a intenção de criar cenas de impacto ou que tenham uma aura mais poética e profunda, mas falhando na execução, produção, direção e outros elementos.

Grande Sertão: uma adaptação teatral demais e distante da linguagem cinematográfica {Crítica}
Imagem: Divulgação / Paris Filmes

“Grande Sertão” soa como uma “obra para universitário” e falha ao não buscar seu lugar no cinema brasileiro

Digo isso com tranquilidade, pois sei que será efetiva para este fim. Grande Sertão marca nos cinemas uma obra com grande potencial e até mesmo expectativas positivas de quem leu a obra literária e reconhece seu valor em nossa cultura. Talvez este longa marque sua conquista como um grande tributo à Guimarães Rosa e o início de outras tantas adaptações que podemos experimentar na tela do cinema. Talvez não tenha sido o momento certo, com os atores certos ou a direção certa. Talvez tenha sido bom e consiga seu lugar na história. O fato é que esta obra, ao pisar nos cinemas, devia ser valorizada ao máximo e se colocar à disposição de ser próxima para qualquer tipo de público, se conectar com quaisquer pessoas de todo lugar do Brasil. É assim que uma obra mostra seu valor e seu papel para o mundo.

Confira abaixo o trailer oficial de Grande Sertão, que estreia nos cinemas nesta quinta-feira, 06 de junho de 2024.

Escrito por

Alison Henrique

Publicitário, Empresário, Dançarino, Cantor, Estudante de Filosofia e, claro, APAIXONADO por Cinema, Arte, Música e Livros. Crítico de Cinema aqui no {Des}Construindo o Verbo com muito sentimento, emoção e boas reflexões pra gente mergulhar nas obras do cinema contemporâneo. Seja Ficção, Drama, Romance, DC, Marvel, Ficção Científica, Bom, Ruim, Médio ou Péssimo. A gente sempre vai se encontrar por aqui pra discutir um pouco sobre tudo. Instagram: @alisonxhenrique.