Alerta de gatilho para quem possui distúrbios alimentares. Este filme pode apresentar cenas desconfortáveis e fortes sobre diversos distúrbios. 

A onda de mitos, loucuras, mentiras, bizarrices e entre outros absurdos que vemos na internet — em especial no TikTok —  é um bom ponto de partida para nos darmos conta da vastidão de delírios coletivos que estão gerando distúrbios alimentares seríssimos, disfuncionalidades nutricionais e alimentares nas pessoas e mentalidades perigosíssimas, como quem, por exemplo, busca o ‘corpo perfeito’, milagres através da alimentação, ingestão controlada de carboidratos, proteínas, gorduras entre outros perigos. Mas isso infelizmente não se restringe à internet, mas um coletivo de pessoas que, por exemplo, buscam uma alimentação mais saudável, talvez até mesmo vegetariana, vegana ou totalmente restritiva e radical, como é o caso da monodieta, que consistem em comer apenas um tipo de alimento por um ou mais dias. Os discursos por trás vão desde melhorar a performance física, benefícios para corpo e mente, perder peso, diminuir a quantidade de gordura, se alimentar melhor visando mais saúde, até a escolha de uma dieta em prol do planeta, visando minimizar o impacto na indústria, ambiental, ecológico, vida animal e no mundo como um todo. Há excelentes iniciativas que realmente trazem inúmeros benefícios, isso não há como negar. Mas e quando isso torna-se uma obsessão, um problema, um exagero que começa a tomar proporções drásticas e preocupantes para nossa saúde física e mental? Esta é a premissa de “Clube Zero”, uma produção austríaca que traz uma discussão impactante, chocante, bizarra e ácida sobre a alimentação saudável e seu caminho perigoso rumo às crenças mais absurdas do mundo.

Sinopse

A professora de nutrição Miss Novak aceita um emprego em uma escola de elite e estabelece um vínculo estreito com cinco alunos, mas o relacionamento acaba tomando um rumo perigoso.

Uma narrativa instigante, uma proposta interessante e um grande (e bizarro) propósito 

A precisão com que “Clube Zero” entrega sua narrativa é seu maior triunfo. Tudo acontece sem pressa, mas de forma rígida e objetiva em suas cenas, sem tempo a perder e de forma precisa em cada um dos detalhes que formam um enredo quase impecável. Este longa apresenta muito bem seus pontos narrativos, personagens principais e deixa seus mistérios não de forma negativa, mas de forma instigante, levando o espectador para navegar em mares estranhos mas nem tanto assim, já que conseguimos encontrar os absurdos do filme no mundo real e até mesmo de forma pior. 

CLUBE ZERO: Vamos não almoçar? Longa chocante e bizarro aborda as insanidades da 'alimentação saudável' {Crítica}
Imagem: Divulgação / Pandora Filmes

A proposta é falar da relação do alimento com os ideais e ideologias e estacionam nos absurdos que passam dos limites, dando vida a um fanatismo inacreditável. Mas e seu propósito, será que é o mesmo apresentado ou temos algo maior por trás de tudo isso? Para algumas perguntas, não sei as respostas, mas creio que o longa ultrapassar todos os limites da dita ‘alimentação saudável’ já cumpriu sua tarefa de apresentar ao mundo tantos absurdos. 

Os ângulos e enquadramentos mostram a ausência, a distância e uma ditadura nascendo 

A câmera levemente inclinada de baixo para cima e um enquadramento perfeito indica o nascimento de uma ditadura. Nas lentes, uma megera, perigosa e autoritária que mostra ameaça em seu olhar. O mais assustador é assemelhar isso à impecabilidade com que as cenas são captadas, capturadas e enquadradas. Sua superioridade é transpassada por takes precisos onde sua presença reina sobre os demais. Seu ego e narcisismo é fielmente retratado. 

CLUBE ZERO: Vamos não almoçar? Longa chocante e bizarro aborda as insanidades da 'alimentação saudável' {Crítica}
Imagem: Divulgação / Pandora Filmes

Já em outros momentos, o que temos retratado são pais ausentes demais, distantes da realidade de seus filhos. O outro lado da mesa, a porta do quarto, a chamada de vídeo. Sempre há um elemento ou outro que torna a relação fria e nada próxima dos pais com seus filhos, como se entre eles existisse um abismo de negação, decepção, frustração e falta de afeto dilacerantes. 

CLUBE ZERO: Vamos não almoçar? Longa chocante e bizarro aborda as insanidades da 'alimentação saudável' {Crítica}
Imagem: Divulgação / Pandora Filmes

Uma direção de arte impecável nas cores, símbolos e cenários cheios de uma perfeição problemática 

Esta é uma direção que conversa fielmente com o argumento narrativo da obra, traduzindo precisamente o que quer passar através das cores, roupas, acessórios, estética das cenas e outros tantos detalhes. Nós temos aqui uma simbologia digna de uma seita. Nas cores, o verde abacate se assemelha ao que é natural, vivo, orgânico, saudável. O ambiente escolar favorece um fanatismo desmedido, mas também a disfuncionalidade escolar que apresenta descontrole e desconexão. Mas o que chama a atenção é a simbologia por trás do Clube Zero, representada pela figura máxima de Ms Novak. Em seus figurinos e seu ambiente de trabalho nós notamos particularidades que despertam os olhos atentos à detalhes. 

CLUBE ZERO: Vamos não almoçar? Longa chocante e bizarro aborda as insanidades da 'alimentação saudável' {Crítica}
Imagem: Divulgação / Pandora Filmes

Já os pratos falam por si só, hora monossilábicos, hora tímidos, hora fartos e felizes, hora tristes e deprimidos, hora inesperados e assustadores. O alimento no longa ocupa um lugar importantíssimo e toma este lugar com maestria, colocando-se no meio de uma guerra ideológica, perigosa e perturbadora. A comida é a afronta, o desejo, a fonte de todo conflito. Seu aspecto atrativo, saboroso, vivo, apetitoso, dá lugar a batalhas, afrontas e ameaças. 

Tudo traz a medida certa, o controle, a obsessão e a religiosidade a um fanatismo desmedido

A presença dos alimentos vai um deleite irrecusável, um conforto e saciedade à uma ameaça ao mundo, nossos corpos e nossa mente. Tudo o que antes alimentava, está agora condenado, já não ocupa o espaço de necessidade que outrora fazia. O delírio dá lugar à fome. A fé cega é quem conduz esta orquestra obsessiva e disfuncional. A trilha sonora para o triunfo? Uma meditação que soa tal qual soldados marchando para o triunfo, para matar inocentes e conquistar a vitória. O “Clube Zero” vai de um grupo com intenções positivas e um papel importante na saúde dos alunos, para uma ameaça à uma geração que pode deixar feridas e cicatrizes eternas. 

CLUBE ZERO: Vamos não almoçar? Longa chocante e bizarro aborda as insanidades da 'alimentação saudável' {Crítica}
Imagem: Divulgação / Pandora Filmes

O que mais assuste ou talvez seja curioso, é a semelhança do elenco de adolescentes com a geração Z (GenZ), onde retrata-se adolescentes apáticos e vulneráveis à crenças, métodos, teorias e promessas questionáveis que passeiam pela internet e captam a atenção de mentes que visam cegamente um futuro, acreditando irão mudar o mundo com atitudes radicais. O que mais impressiona talvez seja a quase ausência de sentimentos nos papéis desses adolescentes que os tornam fiéis figuras da GenZ, e isso talvez seja o que mais me chamou a atenção, além de seus visuais, claro, que vão desde a desconstrução de gênero até a liberdade para aceitarem-se como realmente são. 

CLUBE ZERO: Vamos não almoçar? Longa chocante e bizarro aborda as insanidades da 'alimentação saudável' {Crítica}
Imagem: Divulgação / Pandora Filmes

Mia Wasikowska é vigorosa e o elenco transpassa muito bem a ideia de adolescentes disfuncionais 

Mia Wakikowska dá lugar à Ms Novak como condutora e precursora de um regime estranho, doentio e questionável. Em sua atuação, nada se questiona, mas tudo se desenvolve com uma maestria absurda. Mia impressiona muito na atuação e coloca para jogo o olhar sádico e frio de sua personagem. Como seus fiéis súditos, temos adolescentes que atuam como se fossem zumbis, totalmente desprovidos de racionalidade ou quando a usam, está contaminada e manipulada pelos movimentos sorrateiros e estratégicos de Ms Novak. É impressionante como o elenco de 4 adolescentes principais da história consegue atuar de forma gélida, quase robótica, como se estivessem ali para servir a um propósito, seguindo religiosamente a crença do “Clube Zero” e seus mandamentos. 

CLUBE ZERO: Vamos não almoçar? Longa chocante e bizarro aborda as insanidades da 'alimentação saudável' {Crítica}
Imagem: Divulgação / Pandora Filmes

“Clube Zero” é forte e chocante em sua mensagem e não deixa de ser real ao retratar os absurdos e perigos do fanatismo

CLUBE ZERO: Vamos não almoçar? Longa chocante e bizarro aborda as insanidades da 'alimentação saudável' {Crítica}
Imagem: Divulgação / Pandora Filmes

Se parecer milagroso ou absurdo demais para ser verdade, desconfie. Se parece te atrair perfeitamente para alcançar seus objetivos de forma rápida, fácil e prática, negue e não se faça ouvidos. Tornar real aqui, é tornar-se cego para a verdade, engolindo as mentiras como o único alimento disponível. “Clube Zero” traz uma luz sobretudo ao fanatismo, a fé cega, a crença inquestionável sobre algo. Depois da terra plana, nós sabemos que para tudo há uma teoria descabível, inacreditável e inverídica. A mente é perigosa demais e, nos tempos atuais, torna-se uma arma letal para difundir ideais, ideologias, mensagens deturpadas, preconceitos e crenças distorcidas. Se você está preparado para este filme, ele está preparado para alertar, comunicar e sobretudo abalar a nossa mente. Seja bem-vindo(a) ao Clube Zero. 

Confira abaixo o trailer oficial de Clube Zero, que chega aos cinemas nesta quinta (25).

Escrito por

Alison Henrique

Publicitário, Empresário, Dançarino, Cantor, Estudante de Filosofia e, claro, APAIXONADO por Cinema, Arte, Música e Livros. Crítico de Cinema aqui no {Des}Construindo o Verbo com muito sentimento, emoção e boas reflexões pra gente mergulhar nas obras do cinema contemporâneo. Seja Ficção, Drama, Romance, DC, Marvel, Ficção Científica, Bom, Ruim, Médio ou Péssimo. A gente sempre vai se encontrar por aqui pra discutir um pouco sobre tudo. Instagram: @alisonxhenrique.