Cabaré Coragem Festival de Curitiba

A imersão do público ao universo de “Cabaré Coragem” já se inicia antes mesmo das cortinas se abrirem, até porque não há cortinas. O Guarinha se transforma em um cenário de cabaré brasileiro, as portas de entrada são decoradas com cortinas vermelhas, no hall do teatro meia-luz e pontos coloridos de luz, cachaça para o público já ficar mais a vontade e no palco, já está tocando música brega (no melhor sentido possível), tudo para transportar o espectador nessa atmosfera excêntrica e curiosa.

Aqui, o Grupo Galpão, uma das mais importantes companhias teatrais do Brasil, sediada em Belo Horizonte, desafia as convenções teatrais e mergulha de cabeça em uma jornada de excentricidade, provocação e reflexão. Como nos cabarés tradicionais, há um toque de extravagância, mas “Cabaré Coragem” vai além, misturando elementos clássicos com uma dose generosa de contemporaneidade.

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Sinopse:

“Numa atmosfera engraçada e delirante, os artistas dançam, cantam e fazem números de variedades, enquanto estranhas contradições daquele lugar vão despontando no palco”.

Ao percorrer o universo do cabaré, de Brecht à contemporaneidade, o novo espetáculo do Grupo Galpão apresenta uma trupe envelhecida e decadente que, apesar das intempéries e dos revezes, reafirma a arte como lugar de identidade e permanência. Ao mesclar um repertório de músicas interpretadas ao vivo com números de variedades e danças, fragmentos de textos da obra de Brecht e cenas de dramaturgia própria, o Cabaré Coragem convida o público a uma viagem sonora e visual. Fiel às suas origens de teatro popular e de rua, o Grupo Galpão (@grupogalpao) busca, na nova montagem, a ocupação de espaços alternativos, ao romper, uma vez mais, com a relação entre palco e plateia, numa encenação que incorpora, radicalmente, a presença do público, sempre convidado a compartilhar da encenação.

Mantenham os olhos abertos

Em uma das primeiras falas do espetáculo, a personagem Singapura nos alerta: “Mantenham os olhos sempre abertos. Desconfiem do que parece habitual. Nada é impossível de mudar!” ” A princípio, no meio de toda aquela excentricidade, achamos que ela está falando sobre a peça em si, nos alertando para prestar atenção em cada detalhe do cenário, das falas dos personagens, mas na realidade ela está nos pedindo para refletir sobre a vida, sobre nossa sociedade e nos alerta para ter um olhar critico a respeito de tudo.

Cabaré Coragem Festival de Curitiba
Foto: Humberto Araujo (@humbertooaraujo) / Festival de Curitiba

“Cabaré Coragem” é excêntrico, é engraçado, é provocativo

No encarte da peça, há uma reflexão bem importante que descreve muito bem o que é o “Cabaré Coragem”

“Um Cabaré Bretch? Um cabaré brasileiro? Um clássico? Jovem? Contemporâneo? Politico? Feroz? Drag? Vedete?? Teatro de revista? E o teatro? O que diferencia o cabaré do teatro? Seria uma peça sobre um cabaré de beira de estrada? Um inferninho, com tipos excêntricos? Ou um show, uma festa de encontro com o público? Queríamos tudo, estávamos famintos. Famintos de gente. Queríamos juntar gente, estávamos com saudade”

Cabaré Coragem

Eu imagino que o Grupo Galpão esteja satisfeito, porque, sim, eles conseguiram tudo isso, “Cabaré Coragem” é, sim, tudo isso e muito mais. É excêntrico, é engraçado, é provocativo. A história, se assim podemos chamar, não há uma narrativa linear, nem um desenvolvimento dos seus personagens, mas sim uma série de “esquetes”, onde músicas, monólogos, performances e piadas que, juntos, contam a história desses artistas explorados.

E por contar a história, o Grupo Galpão, faz de tudo: mistura dramaturgia, dança e música ao vivo. Clássicos da música brasileira, como “Xibom bombom” são reformulados com a direção musical assinada por Luiz Rocha, que traz novos arranjos, muitas vezes em tom de protesto, o espetáculo usa de todas as “artimanhas” da arte, para mostrar o quão a arte é politica.

O próprio nome “Cabaré Coragem” é uma homenagem à peça “Mãe Coragem e Seus Filhos”, de Bertolt Brecht, uma obra que ecoa através dos tempos com sua mensagem poderosa contra a guerra. E assim como Brecht, o Grupo Galpão desafia as convenções teatrais e nos convida a questionar o mundo ao nosso redor.

Cabaré Coragem Festival de Curitiba
Foto: Humberto Araujo (@humbertooaraujo) / Festival de Curitiba

Um elenco de multiartistas

O elenco do Grupo Galpão é uma verdadeira força da natureza, exibindo talento em cada gesto, em cada palavra. Além da atuação magnifica, que aqui nesse caso, já é um desafio, pois também precisa muito do envolvimento da plateia e improvisos, o que o elenco faz muito bem, o que mostra como cada um dos artistas estão confortáveis em seus papéis. Eles também dançam, cantam, tocam instrumentos e até realizam acrobacias, tudo com uma maestria impressionante. Ornados com plumas e purpurinas, os atores nos divertem enquanto nos convidam a refletir sobre temas como abusos no trabalho, desigualdade social e conservadorismo que fazem parte da nossa sociedade desde os tempos de Bretch. É perceptível que eles querem entregar nada menos do que o máximo.

Durante os 100 minutos de apresentação, somos levados a rir, a refletir e, acima de tudo, a nos emocionar por toda essa atmosfera vibrante. O público dança, canta, durante o intervalo sobe ao palco que se transforma nesse grande cabaré.

Cabaré Coragem Festival de Curitiba
Foto: Humberto Araujo (@humbertooaraujo) / Festival de Curitiba

Com um humor ácido e provocador, o espetáculo não hesita em satirizar o conservadorismo, a família tradicional brasileira e de forma sutil (mas nem tanto) o ex-presidente Jair Bolsonaro. O público gargalha, mas também se vê confrontado com questões que merecem nossa atenção e reflexão.

Com “Cabaré Coragem”, o Grupo Galpão entrega um espetáculo que nos faz questionar, refletir e, acima de tudo, celebrar a coragem de sermos nós mesmos em um mundo tão cheio de nuances. Ao final, quando as cortinas se fecham, somos deixados com uma sensação de admiração e inspiração, prontos para enfrentar os desafios que a vida nos reserva. Porque “Cabaré Coragem” é isso: a celebração da arte em sua forma mais corajosa e provocativa de ser.

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Escrito por

Erick Sant Ana

Redator, negro, TDAH, amante da cultura geek e de uma boa coquinha gelada. Adoro histórias, sejam elas contadas através de livros, filmes, séries, HQs ou até mesmo fofocas. Sempre vi nos livros não apenas uma válvula de escape, mas também uma forma de diversão. Com o tempo, essa paixão se expandiu para o universo dos filmes e das séries. Após anos sem ter com quem compartilhar essas paixões, decidi falar sobre elas na internet.