A estranheza é sempre incompreendida. É nela que os “desajustados” se unem para desconstruir todo e qualquer padrão e explorar o que é normal demais para uma mente inquieta. Ser estranho é revolucionário. É ir na contramão do que é harmonizado demais, preenchido demais, brilhante e assimétrico demais. É aceitar não ser mais condicionado, mas viver sua própria verdade e essência, entender a si mesmo como um ser individual, capaz de pensar, viver e ser quem é em sua totalidade. Ser estranho não é ser bizarro. Bizarro é julgar aquilo que não entende e, principalmente, se vê superficialmente. E se tratando de Pobres Criaturas (Poor Things), realmente você precisa ver para assimilar, tentar entender e absorver. Este é um dos filmes mais impactantes que já presenciei nos últimos anos. Estamos falando de 11 indicações ao Oscar 2024. Dentre elas, melhor filme, melhor atriz e melhor direção. Então se você está curioso pra ver, segue o fio aqui que vou trazer todos os sentimentos e alguns pontos cruciais do filme para você.
Sinopse
Pobres Criaturas (Poor Things), conta a história da jovem Bella Baxter, que é trazida de volta à vida pelo cientista Dr. Godwin Baxter. Com um desejo imenso de ver mais do mundo, ela foge com um advogado e viaja pelos continentes. Livre dos preconceitos de sua época, Bella exige igualdade e libertação.
Um clássico retrofuturista cheio de peculiaridades
Pobres Criaturas é um filme único. Não há simplesmente nada que você tenha visto que se assemelha ou chega perto desta obra. O longa se passa na Inglaterra e traz uma representação excepcional da era vitoriana em sua estética, unindo a um conceito retrofuturista, já que estamos falando aqui de ciência e, se tratando de um experimento como Bella Baxter, este clássico precisa de elementos futuristas para apoiar toda a trama. Inclusive, tem até TCC sobre a era vitoriana na obra de Poor Things (o livro) e recomendo dar uma olhadinha quem tiver interesse pelo tema.
Para quem não sabe, o filme é baseado no livro Poor Things (1992), de Alasdair Gray, uma obra que retoma a história de Frankenstein em uma espécie de paródia. No filme, temos uma belíssima adaptação trazendo toda a essência da obra através de discussões políticas, sociais e econômicas e diálogos inteligentes e bem humorados.
Da pureza e inocência à sobriedade e sabedoria
Você acompanhará Bella Baxter (Emma Stone) em uma jornada muito bem desenhada e abordada no longa, com um ritmo perfeito para acompanhar cada passo da personagem. É simplesmente hipnotizante o andamento de acontecimentos e a trajetória da personagem. Isso tudo se traduz na estética dos cenários, figurinos, na trilha sonora e, principalmente, nos diálogos que saem de meros grunhidos para reflexões filosóficas e crises existenciais.
“Você quer casar comigo ou me matar?”
É impossível não se apaixonar pelos diálogos deste filme e também pela inteligência e sagacidade de Bella Baxter. Com um humor afiadíssimo e respostas ágeis, Bella nos mostra que uma mulher não deve temer nenhum homem, mas sim colocá-los em seu lugar e fazê-los se afogarem em seu mar de inseguranças. Prepare-se para ter uma melhor percepção de si mesmo, do mundo, das pessoas e seus papéis pré-estabelecidos na sociedade.
Uma trilha sonora distorcida que beira a experimentação e exala genialidade
Junto à uma fotografia majestosa e impecável, digna de contemplar cada detalhe, temos uma trilha sonora extremamente estranha e peculiar, que conversa perfeitamente com a proposta do filme. A característica experimentativa da trilha, carrega uma certa confusão de sons, distorções e irregularidades. É como se alguém que nunca tocou um instrumento na vida, gravasse um CD. Isso que dá o tom perfeito ao trabalho de Jerskin Fendrix, que rendeu indicação de melhor trilha sonora original ao Oscar 2024.
Emma Stone te arrebata em cada segundo de atuação
Não à toa, sua atuação também rendeu uma indicação ao Oscar de melhor atriz. E não vou mentir, é mais que merecido se ganhar. Emma nos presenteia com um trabalho fantástico como Bella Baxter, o que deve ter exigido um estudo profundo tanto corporal quanto de fala e comportamento. Bella é a descoberta de si mesmo enquanto mulher e ser pensante. Descobrir um corpo e um ser que já existe dentro de um outro corpo que já tem consciência sobre si mesmo é um trabalho complexo e difícil de se fazer. Emma explora muito bem a si mesmo em seu papel, se entrega de corpo e alma para dar vida a uma personagem grande demais para o mundo.
Não só temos Emma Stone arrasando em seu papel, como Willem Dafoe irreconhecível no personagem Dr. Godwin Baxter, uma espécie de Frankenstein gênio cientista. Ao seu lado, temos Max McCandless como Ramy Youssef, que impressiona com sua sensatez, sensibilidade e serenidade. E para nos apaixonar, temos Mark Ruffalo que interpreta o advogado Duncan Wedderburn, papel que rendeu a Mark indicação de melhor ator coadjuvante. O homem não brinca em serviço e entrega um personagem hilário, meio descompensado, mas incrível na atuação.
Filme estranho? Estranho é se reconhecer nele (e aprender com a estranheza)
É pra rir, chorar, inquietar e gerar desconforto. Tudo o que bagunça nossa mente é bom. Seja no visual, sonoro, estético ou no diálogo. Pobres Criaturas nos traz a sensação de algo bizarro demais para ser verdade, estranho demais para aceitar e improvável demais para acreditar. Mas o mais estranho nisso, é nos reconhecermos em cada um dos aspectos humanos e sinceros que a obra nos apresenta. Você com certeza vai reaprender a viver, entender o mundo e as pessoas como se fosse a primeira vez. Entender talvez seja uma palavra muito forte, mas ver o mundo com outros olhos, se não esses já viciados e cansados de tudo o que já viu. Viva esse sentimento estranho e se encontre nele. Você vai amar.
Confira abaixo o trailer de Pobres Criaturas (2024), que estreia nos cinemas nesta quinta-feira, 01 de Fevereiro de 2024.