Aristóteles e Dante

Quando se trata de adaptações cinematográficas de livros, é quase impossível não estabelecer comparações entre a obra original e sua versão para as telas. Especialmente quando o contato com o material original é recente, como foi o meu caso, lendo “Aristóteles e Dante Descobrem os Segredos do Universo” pouco antes de assistir ao filme.

“Os Segredos do Universo por Aristóteles e Dante” é baseado na obra de Benjamin Alire Sáenz, publicada em 2012. A narrativa se desenrola durante o verão de 1987, em El Paso, Texas, Estados Unidos. A história gira em torno de Aristóteles Mendonza, um jovem mexicano-americano introspectivo de 15 anos, que vive em uma casa onde o diálogo é escasso, especialmente sobre seu irmão mais velho, atualmente na prisão. Seu pai, veterano da Guerra do Vietnã, também se recusa a compartilhar suas experiências. Com duas irmãs mais velhas já fora de casa, Ari vive imerso nesse silêncio, mantendo a solidão como sua melhor amiga, acostumado a ela e relutante em permitir a entrada de pessoas em sua vida.

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Um encontro casual no clube onde tenta aprender a nadar muda o rumo da história, quando Dante Quintana se oferece para ensiná-lo. A coincidência na “estranheza” dos seus nomes acaba por unir dois mundos contrastantes: Dante, extrovertido, autoconfiante e proveniente de uma família com diálogo aberto, é o oposto de Ari. A amizade entre eles se fortalece, destacando suas diferenças e inspirando Aristóteles a repensar seu próprio caminho e propósito.

À medida que amadurecemos, nos adaptamos aos diferentes ambientes e grupos que fazem parte de nossa vida, especialmente na adolescência, quando ajustamos nossa personalidade conforme os contextos sociais em que estamos inseridos. No entanto, há pessoas que nos aceitam verdadeiramente, sem exigir que escondamos quem somos. É esse tipo de amizade autêntica que une Aristóteles e Dante. Essa ligação representa um lugar onde podem ser eles mesmos, um espaço de aceitação mútua e compreensão, sem a necessidade de fingimentos ou máscaras sociais. Essa conexão genuína é o ponto central da história, destacando a importância de uma amizade verdadeira, onde a autenticidade é valorizada acima de tudo. O cerne da história reside no amadurecimento, despertar sexual, sexualidade e, acima de tudo, na amizade, tratados de forma bela e delicada.

A gente percebe que muito da forma com que os garotos lidam com a vida está intrinsecamente ligada a suas relações com os seus pais. Ari, enfrenta um ambiente familiar envolto em silêncio, onde diálogos escassos e segredos ocultos criam uma atmosfera de distância emocional. Há um abismo de comunicação entre eles. Esse silêncio carregado de segredos molda a solidão de Ari e sua luta para compreender sua própria identidade. Por outro lado, Dante vive em uma família mais aberta e comunicativa, onde o diálogo é incentivado. Seus pais apoiam abertamente sua expressão e identidade, fornecendo um ambiente mais acolhedor e propício para a livre exploração de quem ele é. Essas dinâmicas familiares distintas refletem e influenciam as jornadas individuais de Aristóteles e Dante, impactando sua compreensão do mundo e de si.

Aristoteles

O principal desafio de “Os Segredos do Universo por Aristóteles e Dante” é que seu material original é narrado em primeira pessoa e adaptar uma história que está tão profundamente enraizada na mente de um personagem e transmiti-la de maneira cativante é uma tarefa complicada. Mas o filme supera essa barreira, transmitindo a riqueza das entrelinhas de maneira magistral.

Embora ambos sejam protagonistas, acompanhamos mais de perto o cotidiano de Ari. Dante, mesmo em meio a uma crise existencial, consegue compreender melhor sua própria natureza. Ari, por sua vez, é mais reservado, lutando para expressar sentimentos e pensamentos. Ele poderia facilmente cair no estereótipo do garoto introspectivo, mas seu personagem é multifacetado, graças à atuação de Max Pelayo. Sua personalidade fechada é contrabalanceada por um grande coração, gentileza e humor, tornando-o bem realista.

Em certo ponto do filme, Dante recebe a notícia de que precisará passar um ano em Chicago. Durante esse período, as cartas trocadas entre os dois jovens se tornam o vínculo essencial dessa amizade. No entanto, a ausência física desencadeia conflitos internos em Ari, tornando evidente a pressão que ele enfrenta para se encaixar nos padrões masculinos que o cercam. Esse momento é crucial, pois marca o início de jornadas individuais, levando-os a compreender suas identidades e como se relacionam com o mundo ao seu redor.

Dante

Um ponto crucial a ser considerado, comparando-o ao livro, é que na obra original, a história é narrada por Aristóteles, o que oferece uma visão mais restrita da vida de Dante na cidade grande. No livro, tudo o que sabemos sobre o que Dante vivencia durante esse período é por meio das cartas. Ao assistir ao filme, tinha a expectativa de uma exploração mais aprofundada das descobertas e experiências de Dante em Chicago, já que não existe essa “limitação” de ser narrado em primeira pessoa. Porém, o filme opta por seguir a mesma perspectiva do livro e cria um espaço vago, onde poderíamos ter mergulhado nas incertezas, angústias e aprendizados de Dante enquanto estava afastado de Ari. Se essa parte da história tivesse sido mais desenvolvida, teria, sem dúvida, enriquecido a narrativa, proporcionando uma compreensão mais abrangente e detalhada do amadurecimento do personagem.

O filme é repleto de delicadezas, onde gestos simples como um sorriso, um olhar ou um toque transmitem significados profundos que ultrapassam as palavras. Essa abordagem sutil foge dos clichês adolescentes, proporcionando uma experiência cinematográfica marcada pela poesia visual.

A narrativa de filmes que abordam romances LGBTQIAP+ muitas vezes tende a explorar tramas repletas de tragédias e sofrimentos intensos, buscando enfatizar os desafios enfrentados pela comunidade. Em “Aristóteles e Dante”, embora haja momentos que tocam em questões dolorosas e desafiadoras, o cerne da história transcende essas dificuldades. O filme até flerta com questões complexas como a epidemia de HIV, homofobia, transfobia e outros, mas ao longo dos 100 minutos de duração, o filme não se aprofunda nesses tópicos. Algumas pessoas podem interpretar essa superficialidade como uma lacuna na história. No entanto, a verdadeira essência do filme reside na conexão e no amadurecimento dos personagens principais. O filme não se prende à representação de um sofrimento exacerbado, mas concentra-se essencialmente na jornada de conexão e amadurecimento dos protagonistas. Ele destaca a beleza e a profundidade de uma amizade autêntica, enquanto os personagens enfrentam dilemas e descobertas pessoais, mostrando que, apesar das adversidades, a força da relação entre Aristóteles e Dante prevalece como um ponto de luz e crescimento em suas vidas.

“Os Segredos do Universo por Aristóteles e Dante” é uma narrativa cativante pela complexidade de seus personagens e pela forma como explora os desafios e descobertas da adolescência. É uma jornada sensível, onde a amizade serve como um guia, iluminando o caminho em direção à autodescoberta e aceitação.

Assista o trailer de “Os Segredos do Universo por Aristóteles e Dante”

Escrito por

Erick Sant Ana

Redator, negro, TDAH, amante da cultura geek e de uma boa coquinha gelada. Adoro histórias, sejam elas contadas através de livros, filmes, séries, HQs ou até mesmo fofocas. Sempre vi nos livros não apenas uma válvula de escape, mas também uma forma de diversão. Com o tempo, essa paixão se expandiu para o universo dos filmes e das séries. Após anos sem ter com quem compartilhar essas paixões, decidi falar sobre elas na internet.