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Lua de Larvas: Uma Distopia Encantadora e Reflexiva

Você já experimentou comprar um livro por estar em promoção e simplesmente deixá-lo esquecido na estante, até que um dia decide finalmente lê-lo e se arrepende amargamente de tê-lo negligenciado por tanto tempo? Foi exatamente esse sentimento que tive ao terminar de ler “Lua de Larvas”, um livro que adquiri sem grandes expectativas, mas que acabou se revelando uma história encantadora e extremamente comovente.

Uma Distopia na Terra Mãe: O Governo Totalitário e a Esperança de Standish

“Lua de Larvas” nos transporta de volta aos anos 50, em um país chamado Terra Mãe. Apesar de seu nome, esse lugar não possui características maternas. Estamos falando de um país governado por um regime ditatorial, totalitário e opressor, repleto de vigilância e desaparecimentos inexplicáveis. Sim, trata-se de uma distopia.

Lançado em 2012, no auge do boom das grandes sagas distópicas adolescentes, como “Jogos Vorazes”, “Divergente”, “Maze Runner” e outras, “Lua de Larvas” se destaca das demais histórias por meio de seu narrador: Standish Treadwell. Embora tenha apenas 15 anos, Standish é um garoto extremamente inocente e tímido, que consegue enxergar o mundo com olhos esperançosos, mesmo vivendo em circunstâncias tão precárias.

Standish é disléxico, o que o impede de ler e escrever, e também possui heterocromia, ou seja, cada um de seus olhos tem uma cor diferente. Por ser diferente dos demais, o garoto sofre intensamente com o bullying na escola, sendo constantemente agredido e humilhado por seus colegas de classe e professores, que não sabem como lidar com sua dislexia.

“Eu posso não saber ler e escrever, mas tenho um vocabulário imenso. Eu coleciono palavras – elas são doces na boca do som.”

Standish nos conta sua história de maneira simples e não linear, alternando entre seu passado e presente de forma dinâmica, sem jamais confundir o leitor. Aos poucos, ele revela pequenos fragmentos de sua vida, permitindo que, à medida que avançamos na leitura, possamos montar o quebra-cabeça e compreender todo o contexto.

Durante essas idas e vindas entre passado e presente, descobrimos que Standish mora com seu avô na Zona 7, uma área afastada da Terra Mãe, onde vivem os impuros: pessoas que se rebelaram contra o governo ou que são consideradas diferentes. Ele sempre foi extremamente solitário e utilizava sua imaginação como uma forma de enfrentar a vida. No entanto, tudo muda quando ele conhece seu novo vizinho, Hector. Hector se muda para a Zona 7 com seus pais e, em pouco tempo, Standish ganha não apenas um grande amigo, mas também um protetor contra os valentões da escola.

A amizade entre os dois meninos cresce a cada dia, até que um dia Hector e sua família são levados para o outro lado do muro que separa a Zona 7 do restante da Terra Mãe. Nesse local, o governo está desenvolvendo um plano para vencer a corrida espacial e levar o homem à lua, demonstrando assim a soberania da Terra Mãe perante as nações inimigas.

“Você dá sentido a um mundo sem sentido. Você me deu botas espaciais para eu poder pisar em outros planetas. Sem você, estou perdido. Não existe esquerda, nem direita. Nem amanhã, só quilômetros de ontens. Não importa o que aconteça agora, porque encontrei você. É por isso que estou aqui. Por causa de você. Você que eu amo. Meu melhor amigo. Meu irmão.”

Agora cabe a Standish e seu avô salvarem seus amigos e revelarem os verdadeiros planos do governo por trás dessa corrida espacial.

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Uma História Poderosa, Poética e Reflexiva

O primeiro ponto importante a se ressaltar sobre “Lua de Larvas” é que estamos diante de uma história pesada, violenta e literal, porém, por conta de seu narrador inocente, há também uma certa leveza presente. Tanto é assim que, apesar de ter aproximadamente 290 páginas, um número considerável, “Lua de Larvas” é aquele tipo de livro que pode ser lido de uma só vez, perfeito para um final de semana chuvoso e entediante.

Enquanto lia sobre o funcionamento do governo na Terra Mãe, tive a impressão de que o país é essencialmente uma representação da Alemanha caso ela tivesse vencido a Segunda Guerra Mundial. Em diversos momentos, é possível perceber alusões às características e práticas do Partido Nazista Alemão, desde a postura até as formas de saudação. Além disso, se você não se enquadra nos padrões físicos impostos pelo governo ou não segue alguma regra, é enviado para a Zona 7, lembrando muito o Gueto de Varsóvia.

Sally Gardner conseguiu a proeza de escrever uma história pesada de forma simples, poética e repleta de metáforas. É aquele tipo de livro que você pode ler quando estiver enfrentando uma ressaca literária e procurando uma leitura dinâmica e cativante. No entanto, se estiver em busca de uma obra para refletir sobre a vida, o universo e tudo mais, também a encontrará aqui.

Normalmente, não costumo comentar sobre a edição de um livro, pois não considero isso tão relevante. No entanto, dessa vez não posso deixar de elogiar o incrível trabalho realizado pela editora Martins Fontes. Há pequenas ilustrações em quase todas as páginas, a diagramação está impecável e a fonte possui um tamanho muito confortável para a leitura. Além disso, o trabalho gráfico da capa é fantástico. Trata-se daquele tipo de livro que, ao vê-lo em uma livraria, provavelmente você pegará para ler a sinopse.

Se você é fã de distopias em geral (desde “Admirável Mundo Novo” até “Divergente”) e ainda não leu “Lua de Larvas”, está perdendo algo incrível. Essa é uma história com um universo bem construído, personagens extremamente desenvolvidos, uma narrativa simples, porém reflexiva, e um dos finais mais belos e tristes que já tive o prazer de ler.

 

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Lua de Larvas

Sobre Sally Gardner

Sally Gardner autora de Lua de Larvas

Sally Gardner cresceu e ainda reside em Londres. Devido à dislexia, ela não aprendeu a ler nem a escrever até os catorze anos, o que resultou em sua expulsão de várias escolas. Foi então encaminhada para uma escola destinada a crianças com dificuldades de adaptação, sendo rotulada como alguém impossível de ser ensinada. Apesar dessas adversidades, Sally se formou com as mais altas honras em uma importante faculdade de artes em Londres e conquistou uma bolsa de estudos para uma escola de teatro, onde se tornou uma figurinista de grande sucesso, trabalhando em diversas produções renomadas.

Após o nascimento de suas duas filhas gêmeas e de seu filho, ela iniciou a ilustração e a escrita de livros infantis. O Sunday Times de Londres a chamou de “um gênio idiossincrático”.

Escrito por

Erick Sant Ana

Redator, negro, TDAH, amante da cultura geek e de uma boa coquinha gelada. Adoro histórias, sejam elas contadas através de livros, filmes, séries, HQs ou até mesmo fofocas. Sempre vi nos livros não apenas uma válvula de escape, mas também uma forma de diversão. Com o tempo, essa paixão se expandiu para o universo dos filmes e das séries. Após anos sem ter com quem compartilhar essas paixões, decidi falar sobre elas na internet.