

Preciso ser honesto com vocês: séries médicas nunca foram meu tipo de anestesia. “Grey’s Anatomy”? Clichê com bisturi. “House”? Diagnóstico com ego. O charme do jaleco branco nunca me pegou. Sempre achei que hospital bom é o que a gente evita. Mas aí apareceu The Pitt — e foi como aquele exame de rotina que você adia há meses e, quando finalmente faz, descobre que precisava daquilo mais do que imaginava.
Porque The Pitt não vem com romantismo de plantão, nem com tiradas geniais de médicos misantropos. Ela chega como uma seringa direto na veia: rápida, incômoda e, estranhamente, viciante. E o que me fisgou não foi só o formato em “tempo real”, que por si só já é um baita diferencial. Foi a sensação de estar no olho do furacão, de viver cada minuto daquela emergência como se eu tivesse esquecido de apertar o botão de pausa da vida.
Resultado? Em menos de 15 minutos, já tava indicando pra todo mundo como quem descobre uma farmácia que ainda entrega remédio de madrugada.
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The Pitt: a evolução frenética do legado de ER
Pra quem viveu os anos 90 grudado na TV aberta (ou nos torrents de início de milênio), ER foi uma espécie de bíblia médica. Criada por Michael Crichton, com produção de Spielberg e uma vibe que parecia o casamento perfeito entre ação e drama, a série moldou o que a gente entende como “série de hospital”.
The Pitt, que estreou na Max em janeiro de 2025, carrega esse DNA com orgulho — e um pouco de rebeldia. É como se fosse o filho bastardo de ER: criado por uma galera que participou da original (incluindo Noah Wyle e o produtor John Wells), mas que agora resolveu tocar a vida à sua maneira. E que maneira.
Situada no Pittsburgh Trauma Medical Center, a trama acompanha um único turno de 15 horas, com cada episódio cobrindo uma hora em tempo real. É como se o relógio também fosse um personagem — e um dos mais cruéis, diga-se de passagem.


O caos como método (e linguagem)
O que faz The Pitt funcionar não é apenas sua estrutura narrativa engenhosa, mas o jeito como ela transforma o caos em gramática.
A correria é real. No primeiro episódio, o médico Robbie diz que precisa ir ao banheiro. Ele só consegue… no quarto episódio. Isso já te dá a medida do ritmo. Você não “assiste” à série — você sobrevive a ela. E, em vários momentos, eu precisei pausar. Levantar, andar pela casa, tomar uma água, respirar. Era isso ou acabar na UTI junto com os personagens.
Tem cenas gráficas de verdade, daquelas que nem em 20 temporadas de Grey’s Anatomy alguém teve coragem de mostrar. Se você é fraco pra sangue e vísceras, vá com calma. Não faça como eu e tente assistir jantando. O arroz nunca mais teve o mesmo gosto.
Amamos, odiamos, amamos de novo (sim, tô falando de você, Dra. Santos)
Mesmo que a gente mal conheça os personagens, mesmo que não dê tempo pra grandes arcos de desenvolvimento, todo mundo ali tem carisma o suficiente pra te fazer se importar. São personagens que a gente ama, odeia e ama de novo. Que o diga a doutora Santos: começa mandona, termina maravilhosa — e no meio do caminho a gente quer xingar e abraçar ao mesmo tempo.
Ensino como recurso narrativo: uma sacada de mestre
Um detalhe genial: o hospital foi transformado num hospital escola, recebendo uma equipe de residentes em seu primeiro dia. Isso obriga os médicos veteranos a explicarem em voz alta o que estão fazendo, quais os diagnósticos, os procedimentos… e a gente aprende junto. Não só sobre medicina, mas sobre o funcionamento do hospital, as dinâmicas internas, as hierarquias, os protocolos. É didático sem ser chato — porque está orgânico na trama, faz parte da rotina caótica.


Os cliffhangers e a urgência real
Os cliffhangers são intensos, e sim — às vezes, no episódio seguinte, aquele problemão da semana passada se resolve em dois minutos. Mas isso não é falha: é escolha. The Pitt não tem tempo a perder remoendo dilemas por meia hora. Precisa resolver logo, porque em dois minutos pode chegar alguém baleado, ou algo ainda mais caótico. É uma narrativa que reflete a própria lógica de um pronto-socorro: resolve-se o urgente, parte-se para o próximo.
Quando o hospital expõe as rachaduras do sistema
Não espere sutileza quando o assunto é crítica social. The Pitt joga na sua cara o que muita série prefere deixar nas entrelinhas. Escassez de enfermeiros? Check. Epidemia de fentanil? Tá lá. Racismo estrutural, burnout, tráfico humano, aborto, violência armada? Tudo junto e misturado — como na vida real. Mas aqui, nada soa como panfleto: são as urgências do mundo real invadindo o hospital, como aconteceria em qualquer pronto-socorro urbano.
No fim, The Pitt não oferece catarse — oferece imersão
A primeira temporada de The Pitt não apenas entrega um drama médico afiado — ela cutuca feridas sociais, desafia fórmulas, e faz isso com ritmo e consistência raros. Não é pra quem quer conforto. É pra quem quer sentir. E quando a gente precisa pausar o episódio pra respirar, é porque a série acertou em cheio.
The Pitt, afinal, não é só entretenimento. É aquele tipo de série que te deixa meio zonzo, como quando você levanta rápido demais da cama — um lembrete incômodo de que o caos não dá aviso prévio e que, às vezes, o que a gente chama de rotina é só um pronto-socorro mal disfarçado — e necessário — de que tem horas que viver é improvisar com o que tem, resolver rápido e tentar não desmoronar no processo.
E você? Já foi ao banheiro hoje, ou ainda tá preso no plantão com o Robbie?
Assista ao trailer de The Pitt
A primeira temporada de The Pitt está disponível na Max
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