The White Lotus 3

Quem somos nós quando a série acaba? Talvez essa seja a pergunta que Mike White queria que a gente ficasse ruminando depois dos oito episódios da terceira temporada de The White Lotus. E olha, com aquele final arrastado, contemplativo e um pouco perdido em si mesmo, é difícil não sentir que a série queria mais do que conseguiu entregar — pelo menos, é isso que parte do público tem dito. Mas e se o objetivo nunca fosse entregar algo “redondo”? E se a graça fosse justamente esse vazio?

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A Tailândia como pano de fundo para a hipocrisia espiritual

Trocar o caos do Havaí e o erotismo siciliano pela serenidade budista da Tailândia foi, no mínimo, uma decisão ousada. E, honestamente, uma jogada visualmente deslumbrante. A fotografia, assinada por Ben Kutchins, é uma ode às paisagens tailandesas — e à capacidade da série de transformar cada frame em um wallpaper de luxo. O resort onde tudo acontece, o fictício White Lotus tailandês, parece feito sob medida para turistas ricos em busca de paz que nem sabem nomear.

Mas por trás dessa beleza toda, há um incômodo. A série flerta o tempo todo com o exotismo — e sabe disso. Faz questão de mostrar turistas tirando selfies em templos budistas como quem vai ao Starbucks. A crítica ao turismo predatório está lá, mas o foco da vez é outro: a busca desesperada — e um tanto hipócrita — de gente branca rica tentando se salvar espiritualmente. A Tailândia vira cenário para essa jornada ilusória, onde meditação, retiro e cura emocional são apenas mais uma forma de consumo. Ninguém ali quer de fato mudar — só performar uma mudança. E nisso, a temporada acerta em cheio.

O humor está diferente, mas ainda está lá

Um dos maiores trunfos das temporadas anteriores de The White Lotus era o humor ácido, a sátira social que fazia a gente rir e se encolher ao mesmo tempo. Aqui, esse humor continua — mas de forma mais seca, mais silenciosa. Não é escrachado, é incômodo. É o tipo de humor que vem no meio de um diálogo aparentemente profundo, mas que, dois segundos depois, você percebe que é só mais uma camada da grande performance social que esses personagens encenam.

Parker Posey segura as pontas com sua Victoria Ratliff — hilária, caótica, deliciosamente fora do tom. Aimee Lou Wood é um sopro de ar fresco. E até Patrick Schwarzenegger surpreende. Mas The White Lotus nunca foi sobre grandes arcos de personagem. Quase ninguém evolui ali — e é isso que torna tudo tão real. Aqui, tudo está nos diálogos, nas entrelinhas, nas microexpressões. A série nunca precisou de ações grandiosas pra dizer muito. E essa temporada teve, sim, texto afiado de sobra.

Entreguem o Emmy para Jason Isaacs e Carrie Coon agora

Jason Isaacs e Carrie Coon estão absolutamente brilhantes na terceira temporada de The White Lotus. Cada cena com eles é um lembrete de que atuação boa mesmo é aquela que não precisa de discurso explicativo: basta um olhar, uma respiração, um silêncio.

Isaacs, como Timothy Ratliff, entrega um patriarca à beira do colapso — não aquele colapso dramático hollywoodiano, mas o desgaste cotidiano de quem tenta manter a pose enquanto tudo desmorona. O embate interno do personagem, dividido entre orgulho, falência emocional e uma ânsia de desaparecer com dignidade, é traduzido por Isaacs com uma precisão absurda. Em especial nas cenas com o monge budista, ele consegue dizer tudo com quase nada. É uma performance contida, e por isso mesmo poderosa.

Carrie Coon, por sua vez, é um furacão silencioso. Sua Laurie é amarga, cansada e com um ranço existencial que não pede desculpas. No monólogo do último episódio — aquele que poderia facilmente soar piegas — Coon atinge um nível de vulnerabilidade brutal, sem perder a força. A mulher está com sangue nos olhos e lágrima presa na garganta. E a gente sente tudo.

É quase certo que ambos aparecerão nas indicações ao Emmy deste ano. Não só porque são grandes nomes, mas porque entregaram performances com camadas, nuance e verdade. Num mar de personagens performáticos, Timothy e Laurie parecem quase dolorosamente reais. E isso é ouro pra qualquer premiação.

Budismo, identidade e as máscaras do Instagram

A grande aposta temática da terceira temporada é a tal da contemplação. O ritmo lento, as cenas longas de personagens olhando para o mar, a trilha mais silenciosa — tudo aponta para um mergulho na futilidade dos nossos dramas modernos. E não é pra ser fácil de assistir mesmo. The White Lotus está menos interessada em prender a atenção e mais em cutucar feridas.

O tema da autenticidade aparece em vários núcleos. Casais que se olham e não se reconhecem mais. Amigas que sustentam laços baseados em inveja disfarçada. Triângulos amorosos onde ninguém sabe exatamente o que sente. São dilemas humanos, reais — e aqui The White Lotus ainda brilha. A série consegue capturar aquela sensação incômoda de estar performando o tempo todo, seja num relacionamento, numa amizade ou na própria vida. E isso, no fim das contas, é o que ainda a mantém relevante.

E os funcionários? Belinda carrega sozinha.

Diferente das temporadas anteriores, essa terceira temporada quase abandona os funcionários do hotel como personagens centrais. Com exceção da volta de Belinda — e de Gaitok, o segurança sem carisma que inexplicavelmente ganhou mais tempo de tela do que gente com história pra contar —, o staff virou cenário. E isso é um ponto de crítica válido, sim.

Mas também é interessante ver como a própria Belinda encarna o desencanto da série. Sua volta, depois de ter sido emocionalmente largada por Tanya na primeira temporada, tinha tudo pra ser um ato de justiça narrativa. E, de certo modo, é. Ela consegue se vingar de Greg, embolsar uma boa grana e sair de cena com dignidade. Mas também abandona o parceiro de negócios e fecha o ciclo de abandono que começou lá atrás. É um desfecho realista, talvez até elegante — e profundamente simbólico. Belinda, diferentemente do que fez Tanya na primeira temporada, se escolhe. Ela, que tantas vezes foi colocada no lugar de acolhimento e servidão, toma as rédeas da própria história. Abandona o parceiro de negócios não por frieza, mas por autopreservação. Escolhe sua segurança e a do filho em vez de mais uma promessa vazia de afeto ou reparação emocional. Não se deixa seduzir pela ideia de precisar ser cuidada. E isso, por si só, já é um tipo de protagonismo que raramente vemos sendo concedido a personagens como ela.

Final com gosto de chá… frio, porém sofisticado

O último episódio, com seus longos 90 minutos, dividiu opiniões. Muita coisa se resolve rápido demais, como se alguém tivesse lembrado que o episódio tinha hora pra acabar. A revelação sobre Rick e Jim? Previsível. As mortes? Impactantes, mas talvez mais pelo susto do que pela construção.

Ainda assim, há algo de poeticamente frustrante nesse final. Ele parece dizer: é isso. A vida é isso. Histórias mal resolvidas, relações partidas ao meio, epifanias que chegam tarde demais. E tudo isso dentro de um resort onde ninguém é exatamente quem diz ser. Se compararmos com a segunda temporada, onde os personagens ao menos fingiam estar em processo de mudança, aqui é como se a série dissesse: nem isso. Ninguém muda. Todo mundo só fala como se mudasse. E isso, por mais incômodo que seja, é um baita comentário sobre o nosso tempo.

The White Lotus continua valendo a pena?

Mesmo com algumas decisões questionáveis, The White Lotus continua sendo uma das séries mais inteligentes da atualidade. Visualmente, é um espetáculo. Tem momentos de brilho genuíno. E, acima de tudo, ainda provoca — mesmo que seja desconforto.

A terceira temporada não é uma queda, é uma mudança de direção. Uma virada mais sutil, mais filosófica, mais silenciosa. Menos sobre ação, mais sobre intenção. Pode ter frustrado quem queria algo mais direto, mais explosivo, mais parecido com o que já veio antes. Mas para quem gosta de diálogos afiados, ironias finas e críticas sociais disfarçadas de luxo, é um prato cheio.

A 3ª Temporada de The White Lotus está disponivel na Max

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Escrito por

Erick Sant Ana

Redator, negro, TDAH, amante da cultura geek e de uma boa coquinha gelada. Adoro histórias, sejam elas contadas através de livros, filmes, séries, HQs ou até mesmo fofocas. Sempre vi nos livros não apenas uma válvula de escape, mas também uma forma de diversão. Com o tempo, essa paixão se expandiu para o universo dos filmes e das séries. Após anos sem ter com quem compartilhar essas paixões, decidi falar sobre elas na internet.