Desde o seu anúncio, foi difícil não ficar ansioso para assistir “Todos Nós Desconhecidos.” O grande motivo, pelo menos para mim, foi que teríamos Andrew Scott e Paul Mescal interpretando um casal e mesmo que o filme fosse de qualidade duvidosa, ter esses dois belíssimos atores atuando em cenas de amor intenso, definitivamente já valeria o meu tempo. A isca era perfeita e eu caí direitinho. O problema – se é que podemos chamar assim – é que esperava um romance “quente”, com um pouco de drama, mas o que recebi foi uma profunda reflexão sobre o luto e a dor, embalada em uma narrativa tocante e inesperada.
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O luto é um tema universal, e o cinema tem uma longa história de explorá-lo de maneiras que ressoam profundamente com os espectadores. Perder alguém próximo é uma das experiências mais dolorosas que podemos enfrentar. Em alguns momentos, filmes podem nos ajudar a processar essa dor e entender o que significa lidar com a ausência.
No cinema, o luto é retratado de várias formas, desde a tristeza avassaladora até a aceitação e o renascimento. Ele pode ser o catalisador para uma jornada de autodescoberta ou ser um obstáculo que os personagens precisam superar. Nos mostrando como diferentes pessoas lidam com a perda e encontram maneiras de seguir em frente.
“Todos Nós Desconhecidos”: A solidão e o Luto
Em “Todos Nós Desconhecidos”, conhecemos Adam (Andrew Scott), um escritor solitário que está sofrendo de bloqueio criativo. Ele mora no centro de Londres, em um prédio quase sem moradores. O único outro residente do local é Harry (Paul Mescal), um rapaz igualmente solitário, que nota os olhares de Adam e decide bater à sua porta, se convidando para passar a noite ali.
Incomodado com os avanços desajeitados de Harry, Adam inicialmente o rejeita. Mais tarde, porém, à medida que se conhecem melhor, os dois começam a desenvolver um relacionamento romântico. Paralelamente, Adam faz uma viagem de pesquisa à sua antiga casa no subúrbio e encontra seus pais, que estão mortos desde que ele tinha 12 anos. A partir daí, Adam começa a contar sobre sua vida adulta para os pais, reabrindo feridas que nunca cicatrizaram.
No início, é um pouco estranho ver Adam, com seus 40 e poucos anos, interagindo com seus pais, que parecem ser mais jovens do que ele. Eles têm autoconsciência de que estão mortos, mas não sabem as circunstâncias de suas mortes. São fantasmas? Sonhos? Uma invenção na cabeça de Adam? Essa pergunta paira no ar, mas aos poucos percebemos que aqui “os porquês” não são importantes, já que logo percebemos que o filme não está interessado em explicar o que é real ou imaginário. O que realmente importa são as conversas que Adam pode finalmente ter com seus pais, as palavras que ele não pôde dizer enquanto eles estavam vivos, as perguntas que ficaram sem respostas. Essa aceitação do inexplicável nos permite focar nas emoções e nas experiências de Adam.
Conversas que nunca aconteceram/acontecerão
Perder alguém que amamos muitas vezes nos leva a manter conversas imaginárias, a nos perder em pensamentos de “e se”. É nesse ponto que “Todos Nós Desconhecidos” nos conduz, através do realismo mágico. O filme nos apresenta Adam conversando com seus pais falecidos, explorando essas dolorosas possibilidades. O que aconteceria se aquela pessoa que morreu cedo demais pudesse ver você agora? Aceitaria quem você se tornou? Amaria você? Ou rejeitaria?
O filme aborda essas segundas chances, mesmo que ilusórias, como uma forma de mitigar a dor e a solidão. É uma oportunidade de dizer o que ficou preso na garganta, de revisitar momentos que ficaram em suspenso por anos. Essas conversas, embora dolorosas de assistir, são ao mesmo tempo calmantes e gentis. Há uma beleza na tentativa de Adam de encontrar paz e aceitação através dessas interações com seus pais.
Os “E ses…”
São nesses momentos, onde Adam busca respostas de seus pais para perguntas guardadas por décadas, que nos toca profundamente. Quando ele revela que é gay ou pergunta ao pai por que nunca o confortou após os episódios de bullying na escola, sentimos o peso de anos de dor e a necessidade desesperada de compreensão e aceitação.
“Todos Nós Desconhecidos” centra sua narrativa em Adam. O filme é dele, sobre ele, e tudo gira em torno dele. Ao mesmo tempo, Adam é um estranho para si mesmo, ele não vê ninguém, não conhece ninguém, não fala com ninguém. Esse isolamento é um reflexo de sua luta interna e da desconexão com sua própria identidade.
Atuações e cinematografia
Com apenas quatro personagens principais – Adam, seus pais e Harry – o filme mantém um foco íntimo e pessoal. Andrew Scott entrega uma performance poderosa, Adam é um personagem contemplativo, mas extremamente vulnerável e em sua atuação Scott consegue encontrar o equilíbrio perfeito para essas nuances. E embora não tenham grandes backgrounds – já que como disse, o filme é centrado no Adam – Os outros atores também brilham em suas performances, adicionando camadas de emoção e autenticidade à história.
Além das atuações, “Todos Nós Desconhecidos” se destaca com uma cinematografia bela e poética. As cenas de sexo ternas entre Adam e Harry dão mais profundidade emocional à relação deles. Paul Mescal oferece uma atuação comovente que complementa perfeitamente a de Scott. A direção e a escolha dos cenários também contribuem para a atmosfera onírica e melancólica do filme, ajudando a transportar o espectador para o mundo interno de Adam.
Sonho ou realidade?
Terminar de assistir “Todos Nós Desconhecidos” é como acordar de um sonho, daqueles que te deixam um pouco atordoado ao retornar à realidade. O filme nos leva por caminhos oníricos, explorando conversas que só podem ocorrer na mente, amores complicados, passados dolorosos e tristezas sutis. A narrativa se desenrola com a fluidez de um cochilo, deixando o espectador perplexo e introspectivo.
Para aqueles com experiência em depressão ou problemas familiares não resolvidos, “Todos Nós Desconhecidos” provavelmente terá um impacto significativo. Muitos acabarão o filme com lágrimas nos olhos ou debatendo o final, que amarra tudo de uma maneira que pode não agradar a todos. No entanto, acompanhar a jornada de Adam em busca de amor e aceitação é inegável, tornando “Todos Nós Desconhecidos” uma experiência cinematográfica tocante e inesquecível, que nos lembra que, apesar da dor e da perda, a esperança e o amor ainda podem florescer.
Assista ao trailer de “Todos Nós Desconhecidos”
Onde assistir “Todos Nós Desconhecidos”?
“Todos Nós Desconhecidos” está disponível no Star+