O espetáculo “Caprichoso e Garantido: O Duelo da Amazônia” traz, pela primeira vez ao Sul do Brasil e principalmente para Curitiba, um dos principais patrimônios culturais do país para o público curitibano imergir na força da cultura popular da Amazônia, com suas lendas, celebrações, rituais indígenas e os costumes do universo caboclo ribeirinho traduzidos em arte, toada e Boi Bumbá. A gente sabe o quão difícil é para muitas pessoas terem acesso a este evento magnífico que acontece todos os anos no interior do estado do Amazonas, principalmente, pois é difícil trazer um festival dessa magnitude para outros estados do país, uma vez que o Brasil todo ainda não conhece e não tem acesso a esta riqueza cultural, inclusive já reconhecido como Patrimônio Cultural do Brasil.
Graças ao Festival de Curitiba, que escolheu este espetáculo para fazer parte da abertura oficial da 32ª edição do festival, o público pode apreciar este espetáculo grandioso nos dias 26 e 27 de março no Teatro Positivo. Claro que não ficamos de fora de presenciar este ato inédito que nos preencheu com uma energia surreal, onde pudemos ter um gostinho do Festival de Parintins sem sair de Curitiba.
A energia de Parintins é algo inenarrável e arrebatador
O arrepio é inevitável. O público eufórico. As cores vermelha e azul ficam evidentes no palco e um pouco também na plateia para apoiar seu lado no duelo. No meio, os neutros e indecisos. Na banda, todos de branco, mas alguns trazendo sua torcida na cor do tênis, pequenos acessórios ou que seja um pontinho vermelho ou azul na roupa. Mas independente de um duelo, temos uma união surreal de todos para apreciar um espetáculo lindo aos olhos e ouvidos. Fica impossível não sentir a energia de um momento como este, que une a todos para festejar e se entregar a uma comemoração que enaltece raízes e tradições tão potentes do nosso Brasil — e que nós, do Sul do Brasil, conhecemos tão pouco e temos um contato mínimo. Este momento forma nossa percepção sobre a verdadeira história e ancestralidade do país.
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Garantido é vigoroso, poético, intenso, objetivo e enérgico
Se o seu coração é vermelho, é assim que você deve ser, sentir e se identificar. Percebendo cada um dos detalhes e diferenças entre as agremiações, temos uma presença potente do Garantido no palco, que ocupa seu lugar de forma enérgica e cheia de vigor e potência. As toadas, cheias de história, algumas até conhecidas nacionalmente e eternizadas na música popular brasileira, trazem o ritmo forte e vibrante para o espetáculo. Na voz, o levantador de toadas Sebastião Júnior traz uma voz que preenche todo o teatro e também nosso coração, além de um controle impecável da banda e da condução do espetáculo. No balé, as coreografias sempre intensas com movimentos tranquilos para acompanhar. Já na condução da apresentação, o apresentador Israel Paulain é quem dá o tom ora poético, ora fervoroso e também mais objetivo, provocativo e sem firulas, fala o que precisa, dá seu recado e se retira por entender que a garantia é de sucesso.
Mas os momentos mais lindos e, sem dúvidas, marcantes, estão com a entrada do Tripa/Boi Garantido (José Batista), que encanta a todos com os movimentos do Boi e dá passagem para os demais integrantes. Temos a entrada da Sinhazinha da Fazenda, Valentina Coimbra, que nos apaixona com seu figurino estonteante e uma performance linda com o Boi. Já a Rainha do Folclore, Edilene Tavares, mostra que é o fogo que domina o momento ao nos arrebatar com sua presença no palco. Como Porta-estandarte, Lívia Christina também performa um ato lindíssimo no palco. Agora o momento que nos traz uma energia grandiosa é a performance do Pajé, Adriano Paketá, que nos deixa hipnotizados e carregam toda a força e ancestralidade do espetáculo.
Caprichoso é arte pura, é acalanto, carisma, abraço e afago
Fazer tudo com capricho exige paciência, calma e serenidade. É impressionante como Caprichoso deixa sua marca sem esforço e consegue ser marcante de forma leve e orgânica. A qualidade artística do Caprichoso neste espetáculo foi o que mais nos deixou apaixonados por suas performances. Em especial, deixo um destaque imenso para o corpo de dança composto por Neandro Santos, Raulino Sena, Gecimara Ramos e Eduarda Sá, que deram um show de movimentos limpos, autênticos, cheios de originalidade e até mesmo complexos, se unindo perfeitamente às toadas e entregando um espetáculo com mais coesão e sentido. Um destaque aqui para os momentos muito bem organizados onde o corpo de dança se une para os momentos de clímax e encerramento dos atos, nos deixando ainda mais maravilhados com a apresentação linda e completa do Caprichoso.
Na condução do espetáculo, Edmundo Oran, o apresentador, assume um tom amigável com leves alfinetadas, mas ao lado de Patrick Araújo, levantador de toadas, conseguem sem nenhum esforço fixar em nossos corações suas toadas lindas, e são quase um acalanto para todos, nos embalam na energia de suas apresentações.
Já nos atos dos espetáculos, temos um Boi encantador interpretado por Alexandre Azevedo, que cativa até nos mínimos movimentos e em sua apresentação visual. Para nos apaixonar ainda mais, temos a Cunhã Poranga Marciele Albuquerque Munduruku, simplesmente arrebatadora em sua performance. A Sinhazinha da Fazenda, Valentina Cid, distribuindo carisma e nos apaixonando com sua beleza imensa. A Porta-estandarte, Marcela Marialva, mostrando sua presença potente no palco e um carisma imenso também, atravessando a plateia com um sorriso lindíssimo. E como um ato artístico potente e poderoso, O Pajé Erick Beltrão simplesmente entrega uma performance maravilhosa.
Apresentador: Edmundo Oran; Levantador de toadas: Patrick Araújo; Tripa/Boi Caprichoso: Alexandre Azevedo; Cunhã Poranga: Marciele Albuquerque Munduruku; Porta-estandarte: Marcela Marialva; Sinhazinha da fazenda: Valentina Cid; Pajé: Erick Beltrão; CORPO DE DANÇA BOI CAPRICHOSO Neandro Santos, Raulino Sena, Gecimara Ramos, Eduarda Sá
Momentos marcantes e poderosos que incendeiam o coração
Além de um duelo intenso, este espetáculo que é pedacinho do Festival Folclórico de Parintins nos apresenta muita luta e momentos que mostram o porquê de ser considerado patrimônio cultural do Brasil. A gente sabe que a grande luta é pela amazônia. Durante o espetáculo, temos um clamor por “SALVE O POVO YANOMAMI”, protagonizado pelo Caprichoso. Este momento potente transforma a arte como um item de resistência e de conscientização sobre a importância de valorizar nosso patrimônio que é nossa terra. Também protagonizado pelo Caprichoso, temos outro ato que jogou a verdade para quem quiser ver — “CURITIBA É TERRA INDÍGENA”. Sem mais.
No fim, o que temos é amor pelo estado, tradições, cultura e pelo legado de um povo
Independente de um duelo ou uma competição pela vitória do Festival Folclórico de Parintins, este grande embate protagonizado por Caprichoso e Garantido nada mais é que um ato de celebração e de amor pela amazônia e todo o seu legado que ainda luta e muito para permanecer vivo, respirando e nos privilegiando como uma das maiores riquezas mundiais. No final, a gente se abraça e sabe que a vida não é uma competição. A gente sabe que o que nos mantém unidos é o amor pelas tradições, pela cultura, pelo estado e, principalmente, o legado de um povo que vive até hoje e permanecerá vivo em presença, na história e na memória.
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