A família quando está em crise, quer guerra com o mundo todo. A família, em especial a tradicional, aquela de “classe média” que vive feliz em um condomínio com a vida dos sonhos, a vida perfeita aos olhos dos vizinhos, carrega disfuncionalidades que nós nem imaginamos. Na verdade nós imaginamos, vemos e entendemos, mas para uma família em crise, aceitar isso pode ser um terror. Um cenário complexo e problemático denuncia “Uma Família Feliz”, um longa assombroso que traz muita ironia já em seu nome e apresenta uma história conturbada, desconfortável e de virar o estômago. 

Sinopse

Eva acabou de dar a luz ao seu terceiro filho e se depara com a angústia de uma depressão pós-parto em meio a uma supostamente perfeita. O ar tranquilo de sua família é invadido por acontecimentos estranhos quando suas filhas gêmeas aparecem machucadas. Eva é acusada pela comunidade. Isolada e questionada por seu próprio marido, ela precisa superar sua fragilidade para provar sua inocência e reestruturar sua família.

Uma narrativa que respira suspense e tensão, porém, com pontas soltas

Do início ao fim, “Uma Família Feliz” prende o espectador em sua história misteriosa e que esconde uma problemática inimaginável para olhos atentos. Digo isso pois, para algumas pessoas, visto a vivência cultural e principalmente da cor que nasce sem privilégios (e sabemos qual é), os olhos atentos captarão tudo sem esforço. Mas não é unânime. O espectador deste longa terá a tarefa de desvendar algo que a narrativa questiona e fomenta para deixar muitas dúvidas. Com narrativa baseada no livro homônimo “Uma Família Feliz” de Raphael Montes, autor de “Bom dia, Verônica” (2020), fica claro o trabalho excelente para captar a atenção do espectador do início ao fim. 

Uma Família Feliz: Tensão, terror e tragédia marcam esta estréia nacional impactante {Crítica}

“Uma Família Feliz” não é bobo. Nem inocente. O Roteirista Raphael Montes e o Diretor José Eduardo Belmonte sabem muito bem o que fazem ao fazerem uma dança com os elementos narrativos, trazendo inclusive algumas pontas soltas, mal aprofundadas e inconsistências para dançar este jogo aterrorizante do longa. Tudo é uma escolha na hora de contar uma história. Confesso que fiquei com várias pulguinhas atrás da orelha ao tentar desvendar tantos mistérios presentes no longa e, inclusive, conspirar sobre personagens. Nós temos muitas coisas para serem melhor trabalhadas na narrativa que podem favorecer a história, mas creio que não houve esta intenção pois o ambiente criado propiciou para algo ainda muito confuso, complexo e abstruso.

O visual impacta e a trilha sonora deixa tudo ainda mais pesado

Com takes desconfortáveis e até mesmo assemelhados a filmes de terror, o longa chega a impressionar com as cenas carregadas de suspense, trazendo uma tensão sem igual ao mostrar o dia a dia comum de uma família, porém, sob um olhar mais tenebroso e assustador. Mas o que nos impacta mesmo é a trilha sonora, que está presente nos momentos mais aterrorizantes para criar um clima de “tragédia prestes a acontecer”, o que chega a acelerar o coração e nos deixar vidrados na tela esperando o ponto de virada.

Uma família disfuncional e uma sociedade de aparências 

Esta é a família feliz que estampa um caro porta-retrato, uma foto linda nas redes sociais e os quadros de alta qualidade. Uma família feliz tem um bom carro na garagem, mora em um condomínio classe média-alta, tem os filhos em uma boa escola e uma relação respeitosa com a vizinhança. Enquanto marido tem um bom emprego, a esposa cuida dos filhos e zela pela casa, zelando por sua jornada de cuidado desde o momento que acorda até quando vai dormir. Esta é a realidade de milhões de famílias de um Brasil desigual, mas lindo nas aparências do que se orgulha em mostrar. A perfeição só existe em fotos high quality e num dia a dia que ignora os problemas para dar lugar a uma vida tranquila que ignora os problemas para conseguir seguir sem surtar ou sem nada estourar.

Uma Família Feliz: Tensão, terror e tragédia marcam esta estréia nacional impactante {Crítica}

“Uma Família Feliz” carrega as mazelas da sociedade unidas a problemas pessoais, internos e mal esclarecidos de uma família que não sabe lidar com seu caos, transformando-o em uma quimera absurdamente complexa e, por quê não, complexada. Desde uma mãe sobrecarregada, cansada e esgotada, até o peso da maternidade unido aos cuidados do restante da família que abalam o psicológico de uma mãe. Desde a pose de cuidador e provedor da família, até os privilégios que um homem tem ao se priorizar acima de tudo e não saber lidar com os problemas familiares. Desde a falta de acompanhamento psicológico familiar até as complexidades psicológicas que podem surgir em uma família ainda desajustada e que não aceita e acolhe os próprios problemas. Desde as violências escondidas e impregnadas no núcleo familiar, de psicológicas até as mais explícitas. Este longa tem vieses e abordagens infinitas para se discutir e colocar em pauta, e isso é algo fenomenal de se presenciar no cinema nacional que cada vez mais tem caído no gosto popular, o que considero um ganho para nós debatermos e fomentarmos um pensamento crítico do povo e para o povo.

Uma Família Feliz: Tensão, terror e tragédia marcam esta estréia nacional impactante {Crítica}

Grazi Massafera é o ponto alto da atuação — mas falta o elenco prender e convencer mais 

Reynaldo Gianecchini interpreta Vicente, um pai de família que mantém uma certa distância do público, mas creio que seja proposital criar a atmosfera de um pai distante da família e perto da realidade do Brasil. No elenco mirim, temos Juliana Bim, que interpreta Ângela, e Luiza Antunes, interpretando Sarah. Temos Ângela como uma incógnita na trama, não oferecendo muitos recursos para termos uma boa interpretação desta. Já Sarah, consegue roubar os holofotes com uma personagem que sofre calada com suas dores. Creio que o elenco até aqui não consegue prender totalmente o espectador, mas deixar muitas perguntas e desfavorecer a empatia do público.

Uma Família Feliz: Tensão, terror e tragédia marcam esta estréia nacional impactante {Crítica}

De fato, o que temos como grandioso no longa, é a personagem Eva, interpretada pelo nosso talento brasileiro na atuação, Grazi Massafera. Eva é o destaque do longa, seja por sua jornada conturbada, difícil e complexa de seu personagem, ou pela tensão na interpretação por Grazi que é fenomenal e impecável. Grazi consegue entregar um personagem digno de filme internacional, trazendo desespero, dor, angústia e nervosismo de Eva para tomar as telonas e oferecer uma experiência surreal ao assistir o longa. Sem dúvidas, é Grazi quem carrega este longa do início ao fim e se torna o ponto de coesão e sentido do longa, esta quem engrandece a obra e dá vida para sua criação. Sem dúvidas, é o maior acerto do elenco.

Uma Família Feliz: Tensão, terror e tragédia marcam esta estréia nacional impactante {Crítica}

Além de um plot-twist bombástico, “Uma Família Feliz” oferece uma experiência interessante para os cinemas

Uma Família Feliz: Tensão, terror e tragédia marcam esta estréia nacional impactante {Crítica}

Uma reviravolta absurda marca este longa, que abrilhanta os cinemas com um suspense de qualidade. Mesmo com seus defeitos na narrativa e direção, “Uma Família Feliz” não deixa de ser um bom filme para tomar o cinema nacional e ser um grande feito das produções feitas no quintal de casa. Digo isso, pois é ainda mais considerável que a gravação do longa tenha acontecido em Curitiba, com cenários muito conhecidos e até mesmo alguns lugares característicos da cidade. Mas além do orgulho, temos uma obra que traz uma experiência única para o espectador questionar, se assustar e se encantar com este suspense de tirar o fôlego.

Confira abaixo o trailer oficial de Uma Família Feliz (2024), que estreia nos cinemas nesta quinta-feira (11).

Escrito por

Alison Henrique

Publicitário, Empresário, Dançarino, Cantor, Estudante de Filosofia e, claro, APAIXONADO por Cinema, Arte, Música e Livros. Crítico de Cinema aqui no {Des}Construindo o Verbo com muito sentimento, emoção e boas reflexões pra gente mergulhar nas obras do cinema contemporâneo. Seja Ficção, Drama, Romance, DC, Marvel, Ficção Científica, Bom, Ruim, Médio ou Péssimo. A gente sempre vai se encontrar por aqui pra discutir um pouco sobre tudo. Instagram: @alisonxhenrique.