Twinless Dylan Obrien

Tem gente que faz terapia. Tem gente que vai pra academia. E tem gente que, como Roman, o protagonista de Twinless, tenta lidar com o luto se enfiando num grupo de apoio e fazendo piadas no meio do colapso. Cada um com suas estratégias, né?

O filme dirigido por James Sweeney entende que a dor é cafona demais pra ser levada a sério o tempo todo. Então, em vez de transformar o luto em espetáculo, ele faz algo mais ousado: ri dele. Não com desdém, mas com aquele tipo de riso que vem depois do choro — meio engasgado, meio libertador. E é nessa fronteira desconfortável que Twinless mora, com seu humor sombrio e sua humanidade torta.

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A comédia de quem não tem mais pra onde correr

Roman (Dylan O’Brien) perdeu o irmão gêmeo, Rocky, e junto com ele, o manual de instruções da própria vida. Sem a outra metade, ele parece um aplicativo que rodou uma atualização e ficou bugado. Então, decide tentar um grupo de apoio pra quem também perdeu seu gêmeo. É ali que conhece Dennis (o próprio James Sweeney), um homem culto, gay e cheio de frases afiadas, desses que parecem resolver tudo com ironia — o que, sejamos honestos, é um talento.

Os dois criam uma amizade improvável, feita de piadas desconfortáveis e silêncios piores ainda. A química entre eles é inegável, e o filme brinca com isso o tempo todo: até onde vai a conexão e onde começa a projeção? É aquele tipo de relação que a gente olha e pensa “isso vai dar errado” — e ainda assim, quer ver até onde vai o desastre.

O que começa como uma comédia de luto — um “terapia de grupo com gente esquisita” — de repente vira algo mais sinistro, quase psicossexual. Twinless é o tipo de filme que sorri pra você antes de te empurrar escada abaixo.

Dylan O’Brien: do Teen Wolf ao trauma existencial

Ver Dylan O’Brien em Twinless é tipo encontrar um ex do colégio e perceber que ele finalmente amadureceu. O menino cresceu, e agora carrega uma densidade que não cabe mais no mesmo rosto bonito. Ele interpreta tanto Roman quanto o falecido Rocky, e dá conta dos dois com uma naturalidade irritante.

Dylan O'Brien - Twinless

Como Roman, O’Brien está desajustado, tentando entender quem é sem o reflexo do irmão. Como Rocky, ele é a memória — o fantasma carismático que continua assombrando o presente. Essa dualidade é o coração do filme. E é bonito (no sentido não piegas da palavra) ver como ele transforma a dor em performance, sem melodrama, sem lágrimas teatrais.

Roman é o cara que quer parecer bem, mas tá um fio de cabelo longe de surtar. E O’Brien capta exatamente isso: o esgotamento elegante de quem cansou de fingir que superou.

James Sweeney e o charme desconfortável do caos

James Sweeney, além de dirigir, interpreta Dennis — e faz isso com uma precisão irritante. Ele é aquele tipo de personagem que parece saber o que está fazendo… até que você percebe que ele também está completamente perdido. O sarcasmo dele funciona como defesa, o humor como verniz. É o cara que ri de si mesmo porque a alternativa seria entrar em colapso.

Sweeney também se diverte manipulando o público. Twinless começa leve, quase indie fofo, e vai escurecendo devagar, até que a piada vira uma navalha. O roteiro é um exercício de sutileza: nada é dito, tudo é insinuado. As viradas de trama são tão bem costuradas que o espectador percebe o golpe segundos depois — aquele delay delicioso de quem acabou de ser enganado e adorou.

Claro que há tropeços. Às vezes o tom muda tão rápido que a gente sente o impacto do freio. Algumas cenas emocionais de Sweeney ficam um pouco engessadas, especialmente perto da entrega crua de O’Brien. Mas no contexto de Twinless, até as falhas parecem parte da intenção: ninguém ali é linear, por que o filme seria?

Twinless

Quando o luto vira disfarce

A certa altura de Twinless, a história começa a mudar de tom. Não de forma gritante, mas naquele ritmo em que o riso vai diminuindo e a gente percebe que talvez tenha rido cedo demais. O filme se veste de comédia sobre perda, mas o tecido é outro: é sobre o perigo de projetar a própria dor em quem aparece pra confortar.

Dennis, o novo “amigo” de Roman, surge como um espelho compreensivo, mas há algo ali que não se encaixa. O tipo de atenção que ele oferece não parece totalmente altruísta — e Sweeney, espertamente, nunca deixa claro o quanto desse afeto é genuíno e o quanto é culpa, curiosidade ou pura necessidade de controle.

É nessa ambiguidade que Twinless floresce. O filme não precisa escolher lados, porque o jogo é outro: é sobre ver alguém que parece te entender e perceber, tarde demais, que talvez esteja sendo apenas observado. Roman acha que encontrou um confidente; o público começa a suspeitar que ele encontrou um predador emocional — ainda que sorridente, gentil e cheio de referências cultas.

O resultado é perturbador de um jeito que beira o engraçado, porque o filme mantém o tom de comédia sombria até quando tudo já cheira a perigo. Sweeney sabe que a linha entre empatia e obsessão é finíssima, e que às vezes o humor é só uma forma de empurrar o horror pra mais longe.

O humor como anestesia social

O que faz Twinless ser tão interessante é o tipo de humor que ele escolhe usar. Não é o pastelão do luto, nem o drama que tenta se disfarçar de piada. É o humor que a gente usa pra sobreviver. O tipo de riso que aparece no velório quando alguém diz “ele odiava flores” e todo mundo ri, meio sem saber se pode.

Sweeney escreve com essa mistura de acidez e empatia. Ele não faz piada da tragédia, mas da tentativa patética de parecer forte diante dela. O resultado é um filme que provoca riso e desconforto na mesma medida, e faz as duas coisas com naturalidade.

A edição de Nikola Boyanov contribui pra esse clima errático. Cortes rápidos, enquadramentos estranhos, telas divididas. Tudo parece um pouco deslocado — como se o próprio filme estivesse tentando entender onde se encaixa.

Quando o luto é só uma forma de continuar existindo

Lá no fundo, Twinless não é sobre gêmeos, nem sobre morte. É sobre a solidão de estar vivo e ter que lidar com isso todo santo dia. Roman não está só de luto pelo irmão, mas por si mesmo — pela versão dele que fazia sentido quando tinha alguém igual pra dividir o fardo.

A história vira um espelho incômodo do mundo real. Quantas vezes a gente não se aproxima de alguém só pra tentar remendar um buraco antigo, como quem cola fita adesiva em um vazamento emocional? Dennis vira isso pra Roman: um consolo, uma distração, um erro inevitável.

E Twinless não trata essa dinâmica com drama, mas com ironia. Porque é isso que a gente faz na vida real — a gente ri, se aproxima das pessoas erradas, e finge que é coincidência.

Rindo da própria desgraça (e de quebra, da nossa também)

Twinless é engraçado. De um jeito estranho, desconfortável, mas genuíno. Ele encontra graça na confusão, no constrangimento, na dor que insiste em parecer trivial. Em certos momentos, parece que o filme tá rindo de nós, espectadores, por acreditarmos que sabemos o que estamos vendo.

E essa é a grande sacada: Twinless nunca deixa de ser uma comédia sombria. Mesmo quando o clima pesa, há sempre uma fagulha de ironia, um olhar cínico o suficiente pra impedir que tudo desabe em drama puro. É como se o filme dissesse: “Sim, tudo é uma merda — mas pelo menos dá pra rir um pouco disso.”

A fotografia reforça essa ironia com contrastes de luz e sombra, reflexos que nos lembram que nada é exatamente o que parece. É tudo muito bonito, mas de um jeito ligeiramente errado — o que, convenhamos, é a melhor forma de beleza.

Twinless é sobre rir pra não se desintegrar

No fim, Twinless é sobre perder alguém e continuar tropeçando pela vida, fazendo piada pra disfarçar a vertigem. É sobre as pequenas mortes que a gente sofre sem direito a velório: o fim de um relacionamento, o fim de uma versão de si mesmo, o fim da paciência.

James Sweeney entrega uma comédia sombria que sabe ser leve sem ser rasa, triste sem ser melosa e engraçada sem precisar de muleta. Twinless não quer te consolar, quer te cutucar. E faz isso muito bem.

Então, se você for assistir, vá preparado: vai rir, vai se incomodar, e em algum momento vai se ver ali, tentando fingir que tá tudo bem enquanto a vida dá risada da sua cara.

Afinal, quem nunca foi um pouco twinless — meio partido, meio cínico, totalmente humano?

Assista o trailer de Twinless

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Escrito por

Erick Sant Ana

Redator, negro, TDAH, amante da cultura geek e de uma boa coquinha gelada. Adoro histórias, sejam elas contadas através de livros, filmes, séries, HQs ou até mesmo fofocas. Sempre vi nos livros não apenas uma válvula de escape, mas também uma forma de diversão. Com o tempo, essa paixão se expandiu para o universo dos filmes e das séries. Após anos sem ter com quem compartilhar essas paixões, decidi falar sobre elas na internet.