Qual o objetivo de trazer em pauta a vida, feito e legado de J. Robert Oppenheimer, o brilhante físico “pai da bomba atômica”? Esta é uma pergunta que tenho ouvido muito, já que temos em discussão um desastre que devastou milhares de vidas no século 20 e deixou cicatrizes na história jamais esquecidas. Longe de glorificar e exaltar alguém cuja criação ocasionou uma tragédia, o longa Oppenheimer (2023) traz para a tela do cinema algo não tão fácil de digerir, que causa muita tensão e desconforto, além de um certo desespero diante de tantos estímulos visuais e sonoros que Nolan apresenta em sua obra. Dar uma chance para Oppenheimer, é se abrir para um pedaço da história importantíssimo demais para não conhecermos, esquecermos ou deixarmos de lado na história, como já temos deixado tanta coisa que insistem em apagar.
Sinopse
O físico J. Robert Oppenheimer trabalha com uma equipe de cientistas durante o Projeto Manhattan, levando ao desenvolvimento da bomba atômica. A trama acompanha o físico e um grupo formado por outros cientistas ao longo do processo de desenvolvimento da arma nuclear que foi responsável pelas tragédias nas cidades de Hiroshima e Nagasaki, no Japão, em 1945.
Uma cinebiografia densa e espetacular
O longa tem um peso enorme não só em suas 3 horas de duração, que podem parecer muito, mas te prendem do começo ao fim para desvendar e descobrir todos os caminhos entrelaçados que o roteiro percorre com maestria. Por ser uma cinebiografia, prepare-se para imergir na vida e feitos de J. Robert Oppenheimer, que carrega uma genialidade à frente do seu tempo, mas que carrega a maldição de sair do controle e dar origem a uma tragédia.
Nolan nos proporciona uma dança sem fim entre o desespero da explosão de uma bomba atômica, a vida conturbada de Oppenheimer e a história acontecendo diante dos nossos olhos, em uma representação cheia de vida. O que é vívido, se torna um enorme espaço de incômodo com a ideia agonizante de presenciar algo devastador que representa morte, dor e sofrimento.
Um elenco cheio de peso e de rostos marcantes
Não tenha dúvidas que você vai reconhecer boa parte do elenco de tantos outros filmes marcantes da indústria. Estrelando essa obra prima de Nolan, além de Cillian Murphy, que interpreta Oppenheimer, nós temos nomes como: Emily Blunt (O Diabo Veste Prada), Matt Damon (Gênio Indomável), Robert Downey Jr, nosso eterno Homem de Ferro; Florence Pugh, Jack Quaid, Rami Malek, Josh Peck, David Dastmalchian, Casey Affleck, Dane DeHaan, Ben Safdie, Alex Wolff, Alden Ehrenreich entre outros.
Basicamente, o que o filme Barbie nos trouxe de elenco feminino de peso, Oppenheimer faz o contrário ao trazer um elenco majoritariamente masculino. Será que temos aqui um embate entre a boneca que revolucionou a história e o inventor da bomba atômica? Entre uma odisséia num mundo rosa de plástico e uma tragédia histórica que abalou o mundo, a gente tem muitas pautas importantíssimas para discutir, disso eu tenho certeza.
Mas voltando ao elenco, acredito que não tenha ninguém que tenha deixado a desejar na interpretação de seus personagens. Temos em todos os aspecto muito impactante, que é a seriedade e sobriedade para dar vida à tantos fatos. Robert Downey Jr reforça este ponto ao protagonizar cenas paralelas no filme que por hora parecem confusas, mas caminham muito bem por toda a narrativa. E foi uma experiência interessante em ver nomes da comédia, como Josh Peck, Jack Quaid e Alex Wolff em papéis que exigem mais seriedade. De resto, apenas quero exaltar a presença marcante de Rami Malek, Florence Pugh e Alden Ehrenreich, atores que atuam com o olhar e hipnotizam em sua interpretação.
Emily Blunt e sua atuação cheia de impacto
Ela simplesmente entrega muito na atuação. Emily interpreta o papel de Kitty Oppenheimer, esposa de J. Robert Oppenheimer. Seu papel é fundamental para oferecer profundidade à história do protagonista, além de estrelar uma cena cheia de tensão onde Emily mostra a verdadeira força e imponência da personagem. É impossível não se apaixonar por esta mulher.
Cillian Murphy e sua representação impecável e inabalável
Embora seja um ícone da cultura hétero por seu papel aclamado em Peaky Blinders (que nunca assisti e não sou capaz de opinar), Cillian interpreta com maestria o físico Oppenheimer e entrega toda a dramaticidade, tensão, exaustão e outros fortes sentimentos importantes para representação do personagem. A atuação de Cillian chega a ser angustiante em alguns momentos, trazendo em suas expressões carregadas uma veracidade sem igual para as cenas. Com a direção impecável de Nolan, Cillian domina e atravessa a tela do cinema facilmente e apresenta um Oppenheimer que explode nossas mentes de tão impactante.
Os limites entre física e política
Oppenheimer oferece um paralelo completo e muito bem desenhado entre a física e política. Boa parte desse fio se desenrola em uma narrativa onde Oppenheimer se insere, então conseguimos entender claramente que essa teia de aranha é muito mais complexa do que parece. O longa também aborda a clássica ameaça comunista, tão presente em governos fascistas e principalmente para a época, onde o poder militar era muito forte e exercia sua força no meio da Segunda Guerra Mundial. Nolan vai de uma surreal viagem nas estrelas até o auge da política, diante da presidência dos EUA. Em cena, temos apenas homens brancos e grisalhos tomando as decisões mais importantes da história, tudo em detrimento de interesses próprios, um ego imenso e sede de poder.
“Eu me tornei a morte, o destruidor de mundos”.
De salvador a destruidor, Oppenheimer nos traz também uma visão deturpada de um herói que não mediu as consequências de seu poder e genialidade, que subestimou sua inteligência e trilhou um caminho baseado na fome de conhecimento e descoberta. Uma certa visão poética é transposta aqui, comparando Oppenheimer com Prometeus, que, na Mitologia Grega, foi responsável por roubar o fogo dos Deuses e entregar aos homens. Mas o que era para ser uma evolução, tornou-se uma arma devastadora para a guerra.
O clímax é muito mais que a explosão da bomba atômica
Até o momento da explosão da bomba, claro que temos muita tensão e ansiedade para que este momento enfim se concretize, mas não é só isso que o longa Oppenheimer tem para oferecer. O roteiro passeia brilhantemente pela Cinebiografia trazendo uma narrativa cheia de perguntas, mistérios e o critério da dúvida sobre quem são, o que fazem e o que acontecerá. O desenrolar do filme é épico. Com um final que te deixa a todo momento vidrado na tela, Nolan constrói uma obra fabulosa e muito complexa, que nos leva a uma experiência indescritível.
Oppenheimer é essencial para discutir as entrelinhas de uma catástrofe
Oppenheimer nos dá uma aula de física, política e história. Este será um instrumento de discussão perfeito para as salas de aula e para entender as raízes da história. Me vi como aluno entendendo diversos fatos e, como espectador, absorvendo um conteúdo instigante e complexo, mas entendível para os olhos atentos. Oppenheimer é o tipo de filme para ser visto duas vezes para entender com ainda mais clareza o desenrolar dos fatos e uma imersão completa em toda a história. Se vale a dica, veja em salas IMAX, pois a experiência é necessária para todas as emoções audiovisuais que o longa oferece.
Confira o trailer de Oppenheimer (2023), que estreia nos cinemas nesta quinta-feira, 20 de julho de 2023.