É indiscutível o poder de Hayao Miyazaki nos levar a mundos inimagináveis e fantasias que trazem acalanto para o coração. Esse é o sentimento que guardo comigo do primeiro filme que tenho consciência que assisti na vida — Meu Amigo Totoro (1988). Simplesmente lembro de cada detalhe, cada cena. Era um dia chuvoso, tinha 5 anos de idade e sentia saudades da minha mãe (que não via há anos). É assim que entendemos como as animações de Miyazaki tocam nossas vidas — seja em uma infância conturbada ou solitária, seja numa nostalgia da infância ou abraçar a criança interior que precisa ser alimentada de fantasias e sonhos. É comunicando com a dor, a perda, o luto, a ausência de alguém, tristeza, solidão ou outros sentimentos, que surge o longa “O Menino e a Garça”, mais uma obra esplêndida e impecável do cineasta Hayao Miyazaki, sendo forte candidata a ganhar o Oscar de Melhor Animação em 2024. 

Sinopse

Mahito, um menino de 12 anos, luta para se estabelecer em uma nova cidade após a morte de sua mãe. Quando uma garça falante conta para Mahito que sua mãe ainda está viva, ele entra em uma torre abandonada em busca dela, o que o leva para outro mundo.

É no ritmo que está a sensibilidade

E não é de um ritmo lento ou rápido que estamos falando, mas sim de elementos que nos deixam familiares com a história e nos imergem na narrativa como se fossemos os protagonistas. Ok, eu sei que este sentimento é quase que unânime (aprendeu, @Virginia?) ao assistir as animações de Miyazaki, que tem o dom de nos levar para aventuras inimagináveis. Mas é um deleite ter uma nova obra de Miyazaki, que não nos presenteava com novos longas desde seu penúltimo trabalho, Vidas Ao Vento (2013). É algo compreensível, já que O Menino e a Garça levou exatos sete anos para ficar pronto, sendo considerada umas das animações mais caras do Studio Ghibli e talvez do mundo todo. 

A genialidade de Miyazaki em trabalhar em um projeto todo desenhado a mão, que rendeu cerca de um minuto por mês do longa, nos honra com uma animação ainda mais profunda e que nos envolve e aconchega nossos sentimentos em sonhos grandiosos e inspiradores. 

Desde a dureza da vida real, como a perda e o ato de lidar com o luto, até os sentimentos mais reais como a dor, raiva, negação, coragem e redenção, fazem do longa um espaço único para passearmos pela profundidade do sentir. Hora estamos assustados com as cenas, hora estamos imersos e hipnotizados com o mar de coisas improváveis que nos levam pra dançar. 

A guerra como pano de fundo x relatos da vida de Miyazaki 

O longa dialoga não só com acontecimentos históricos da vida real, como o Japão imerso na Segunda Guerra Mundial, mas com a vida de Miyazaki, já que este presenciou um pouco este período — o pai de Miyazaki fabricava os lemes dos caças de combate japoneses durante a Segunda Guerra Mundial. Nós temos um pouco disso também em “Meu Amigo Totoro”, que aborda um pouco de sua história com a ida de sua mãe para o hospital. Elementos pessoais como este, fazem o longa ter um sentido único e talvez de grande impacto para quem o assiste. A gente sabe que a vida real não foi fácil para muitos, mas isso nos faz trilhar caminhos que nunca esperamos, mas sempre superamos. 

Uma trilha sonora que preenche as emoções

Este é o trabalho impecável de Joe Hisaishi, compositor e diretor musical também de outras animações do Studio Ghibli, como O Castelo Animado (2004) e a Viagem de Chihiro (2001), nos arrebata com um trabalho impactante, inspirador e melodicamente cheio de sentimento e emoções nas notas. A trilha sonora de O Menino e a Garça entrega uma experiência completa ao conversar com o caos, a dor, mistério, melancolia, medo, angústia, até imergir na fantasia e transformar nossos sentidos em algo puro e encantador. 

A jornada de Mahito é enfrentar a dor com muita coragem  

Mahito é um menino bravo e forte. Sua dor é algo que se torna real para quem assiste. Ele sai do meio do caos, mas o caos não sai de dentro dele, seja pelo medo de enfrentar a nova vida, ou seja pela coragem para lidar com as batalhas internas e externas e o desconhecido. Aliás, todas as novas batalhas são desconhecidas para uma criança. Mas acredito que as batalhas de Mahito estão mais maduras e firmes neste longa, que traz uma jornada onde o protagonista não se amedronta ou se assusta, mas enfrenta tudo sem pestanejar. 

Personagens apaixonantes e cheios de vida

Não seria um filme de Miyazaki sem os personagens mais icônicos e memoráveis. Desde Mahito, que nos traz a coragem em forma de criança para enfrentar os traumas, até a Garça, que amedronta e questiona, mas se mostra algo fabuloso e incompreendido. Nós temos também as humildes senhorinhas que preenchem nosso coração de amor, cuidado e pureza. Coisa de vovó nos acolher e trazer aconchego para os momentos mais difíceis. 

Já os personagens de fantasia, fazem do longa uma jornada inesquecível. Inúmeras criaturas em suas formas únicas, incompreendidas aos olhos humanos, porém, mais humanas que nós em sua essência. Temos periquitos unidos por um propósito e lutando por seu espaço no mundo, Duas meninas bravas e corajosas que enfrentam batalhas de olhos fechados, e um mago misterioso que nos abraça com sua magia e seu modo de transformar seu mundo em algo único.

O Menino e a Garça é um convite para você abraçar seus medos, dores e monstros 

Sinta-se em casa (em você mesmo) para explorar todas os seus sentimentos e emoções, mas também para enfrentar suas jornadas mais difíceis. É pra sentir como criança e ter a coragem que nunca teve na vida para lidar com os medos da vida. Este longa traz todo o encanto da fantasia e do lúdico para nos guiar em caminhos nunca antes percorridos. É um abraço de conforto e carinho para te acolher, te encher de amor e mostrar que vida pode sempre trabalhar com os sonhos e a imaginação. Que seja uma jornada linda para você no universo de Miyazaki.

Confira abaixo o trailer de O Menino e a Garça (2024), que estreia nos cinemas nesta quinta-feira, 22 de Fevereiro de 2024.

Escrito por

Alison Henrique

Publicitário, Empresário, Dançarino, Cantor, Estudante de Filosofia e, claro, APAIXONADO por Cinema, Arte, Música e Livros. Crítico de Cinema aqui no {Des}Construindo o Verbo com muito sentimento, emoção e boas reflexões pra gente mergulhar nas obras do cinema contemporâneo. Seja Ficção, Drama, Romance, DC, Marvel, Ficção Científica, Bom, Ruim, Médio ou Péssimo. A gente sempre vai se encontrar por aqui pra discutir um pouco sobre tudo. Instagram: @alisonxhenrique.