Nós não estamos preparados para discutir as prisões que o sistema impõe. Depois de assistir A Jaula (2022), essa discussão se torna complexa demais e destrói completamente a visão simplista que temos sobre bandido x vítima. Não é de hoje que os problemas sociais que circundam isso trazem à tona um cotidiano pesado, insustentável e insuportável de se lidar — e as notícias só pioram a cada dia. O cinema é arte, mas também um cenário de aprofundamento sobre as relações humanas, a vida em sociedade e o homem como lobo do homem. A Jaula é um convite para vivenciar o Brasil inundado numa nuvem de incertezas e falhas. 

Baseado no filme argentino “4×4” e escrito por Mariano Cohn e Gastón Duprat, A Jaula é um filme de suspense brasileiro de 2022 dirigido pelo jornalista, fotógrafo e cineasta João Wainer. No filme, Djalma (Chay Suede) é um ladrão que se torna vítima de seu próprio alvo: um carro à prova de furtos. 

Tenso, forte e envolvente

Cenas impecavelmente bem trabalhadas. A Jaula entrega uma experiência de tensão que nunca havia experimentado no cinema — apenas em casa, vendo filmes da TV com narrativas parecidas. Em alguns momentos você imerge e se envolve com a situação do personagem, o que gera um misto de aflição, agonia, misericórdia, nervosismo e esperança. 

Pelo trailer o filme passa um enredo previsível e um clichê cinematográfico que já vimos antes. Mas garanto que o longa A Jaula é muito mais profundo que pensamos. É simplesmente maravilhosa a construção do roteiro, o desenrolar do fato decisor do filme e, principalmente, a atuação esplêndida de Chay Suede, que interpretou brilhantemente seu personagem — se já critiquei personagens brasileiros, não lembro. 

O sistema que aprisiona x Quem se aprisiona no sistema

Quem é a verdadeira vítima do sistema? A Jaula traz uma reflexão muito importante sobre os aprisionamentos que encarceram grande parte da população. Mas além disso, um grande ponto que me chamou a atenção foi a contrapartida de quem é prejudicado pelo sistema. Eles também são vítimas, claro. 

O cidadão de bem e a justiça com as próprias mãos 

Coincidentemente, A Jaula foi gravado no fim de 2018, ano em que justamente Jair Bolsonaro foi eleito presidente do Brasil. A abordagem no longa do Cidadão do Bem não poderia ser mais real e mais atual possível. Alexandre Nero retrata o verdadeiro justiceiro com as próprias mãos dos dias de hoje — e as cenas que acompanham esse ponto são fortíssimas. 

Simplesmente temos um retrato de peso das relações em sociedade no Brasil, e de como funciona a justiça com as próprias mãos no dia de hoje. Realmente, não esperava que o enredo tomasse rumos para além do tema principal, trazendo de forma clara e explícita os impactos de um sistema falho e problemático na vida dos brasileiros — além da polarização política, o nosso principal terror. 

Poder, justiça, violência e libertinagem

E a polícia, no meio disso tudo, como fator de problema e solução. “Polícia para quem precisa. Polícia para quem precisa de polícia”. É o que diz a canção de 1986 da banda Titãs, que critica a polícia ser apenas para quem precisa, mas e se quem precisa for maior ladrão da história? Certamente deixa uma questão válida sobre o papel da polícia nos dias de hoje — e de como possui um protocolo para matar e, além disso, atender interesses maiore$.

É o retrato do Brasil – na direção de arte, na linguagem e na expressão

São poucos os filmes que representam verdadeiramente o Brasil. Somos bastante habituados a presenciar um padrão de novela das 9 ou até mesmo um padrão americano, que não se conecta verdadeiramente com o público e gera distanciamento com a obra. Diferente disso, A Jaula é verdadeiro ao não fugir da preciosidade de expressão do brasileiro. 

Além de uma fotografia de alta qualidade, a direção de arte traz caracterizações muito bem executadas e ambientações bastante reais. Junto a isso, temos a linguagem e expressão que geram uma identificação forte com quem assiste. 

Chay Suede e sua atuação e caracterização impecáveis 

É o momento desse homem amado (desejado também, vai) pelo Brasil, brilhar. Chay entrega uma atuação de carreiras após fazer sucesso com o personagem Danilo, na novela Amor de Mãe (2020). Em cada ação dentro de A Jaula, ele consegue construir uma ligação forte com quem assiste, e fica muito difícil não se emocionar em várias cenas de Djalma preso naquela situação. 

É a vida real que acontece – e mostra que a jaula é muito maior que parece

A Jaula é um grito sobre a disparidade, desigualdade social e a grande problemática do sistema que aprisiona o Brasil no tempo — e faz a regressão ser maior a cada dia. Sobretudo, este filme é um grito ainda maior para discutirmos sobre as verdadeiras vítimas do sistema. Eles realmente escolhem ou não tem escolha? Levantar certas questões são ainda mais importantes que respondê-las. 

Dentro do cenário de um Brasil soterrado na polarização, afundado em fake news e um governo que atua por interesses próprios, A Jaula representa um papel muito importante no cinema — principalmente em um ano de eleições eleitorais, que trazem a necessidade de repensar sobre os verdadeiros gargalos do sistema e o caminho perdido que alguns cidadãos seguem cegamente. É aí que encontramos uma prisão muito maior do que imaginamos — é física, ideológica, psicológica e social. 

Me siga no Instagram.

Confira abaixo o trailer oficial de A Jaula (2022), que estreou nos cinemas nesta quinta, 17 de fevereiro de 2022. 

Escrito por

Alison Henrique

Publicitário, Empresário, Dançarino, Cantor, Estudante de Filosofia e, claro, APAIXONADO por Cinema, Arte, Música e Livros. Crítico de Cinema aqui no {Des}Construindo o Verbo com muito sentimento, emoção e boas reflexões pra gente mergulhar nas obras do cinema contemporâneo. Seja Ficção, Drama, Romance, DC, Marvel, Ficção Científica, Bom, Ruim, Médio ou Péssimo. A gente sempre vai se encontrar por aqui pra discutir um pouco sobre tudo. Instagram: @alisonxhenrique.