O primeiro “Divertida Mente” é um dos meus filmes favoritos do estúdio, então, quando soube que uma sequência estava a caminho, fiquei com sentimentos conflitantes. Estava empolgado, mas, ao mesmo tempo, com medo de que acontecesse o que normalmente acontece em continuações: a qualidade caísse muito, principalmente com a falta de “tempero” dos últimos lançamentos do estúdio. Felizmente, não é o que acontece aqui.
Diferente do primeiro filme, aqui as cinco emoções que já conhecíamos – Alegria, Raiva, Medo, Nojinho e Tristeza – estão trabalhando em harmonia, sabendo quais são seus papéis no desenvolvimento de Riley. A novidade é que agora a garota formou o seu “senso de identidade”, um novo conceito que o filme traz, que é criado a partir de memórias que Alegria cuidadosamente seleciona para que Riley crie esse “sistemas de crenças” que vão formar esse senso de si, como: “Eu sou uma boa amiga”, “Eu sou uma boa pessoa”, “Meus pais têm orgulho de mim”.
A temida puberdade
A questão é que Alegria utiliza apenas boas memórias e descarta as ruins, fazendo com que Riley vá crescendo sim como uma boa pessoa, mas despreocupada e mal preparada para o que está por vir: a puberdade.
Riley, agora com 13 anos, está aprimorando suas habilidades no hóquei com a ajuda das melhores amigas, Grace e Bree. Elas podem ir a um acampamento de hóquei com garotas do ensino médio, lideradas por Val, por quem Riley tem grande admiração. Na noite anterior à grande viagem para o acampamento de fim de semana, um alarme toca no controle central… PUBERDADE!
Os novos Divertida Mentes
Aqui, as coisas fogem do controle, pois novas emoções chegam a sala de controle: Ansiedade, Tédio e Vergonha. Não demora muito para que as velhas emoções e as novas discordem sobre o que é melhor para Riley. Ansiedade acaba sequestrando o senso de identidade de Riley e expulsando as emoções “antigas” da sala de controle.
Assim como Alegria no primeiro filme acreditava que o melhor para Riley era ser sempre feliz e não entendia o papel das outras emoções por querer proteger a garota, ansiedade se vê da mesma forma. Em determinado momento, ela diz que o medo tem o papel de proteger a garota de coisas que ele vê, enquanto ela (Ansiedade) protege Riley do futuro.
Lidando com a Ansiedade
Assim como na vida real, a ansiedade é um sentimento muito importante, pois de fato é ela que nos faz planejar o futuro, mas que, em algumas vezes, por não sabermos lidar com ela, acabamos criando certezas que não necessariamente são reais. É isso que acontece com Riley. Ansiedade destrói o senso de identidade da garota e após expulsar as antigas emoções, passa a construir um novo, com isso a garota passa a acreditar que só terá amigas se conseguir se sair bem no jogo de hóquei, planeja seu futuro a todo tempo e, antes de dormir, pensa em todas as desgraças que podem acontecer se ela falhar em algum momento.
Se encontrar e amadurecer
Aqui a missão é encontrar o senso de identidade de Riley e voltar ao centro de comando. A jornada pela mente de Riley não é tão envolvente quanto a do primeiro filme. Eles não encontram tantos personagens interessantes ao longo do caminho, mas ainda assim há momentos muito divertidos.
“Divertida Mente 2” de certa forma utiliza a mesma fórmula do filme anterior, para passar a mesma mensagem: nos lembrar que não devemos suprimir emoções e que todas elas são importante para o nosso desenvolvimento. Essa repetição pode até parecer um problema, mas o cerne de “Divertida Mente” é entender essas novas emoções e toda a complexidade, mesmo que retratada de forma simples, sobre o que é crescer. O que significa que assim como o original, “Divertida Mente 2” vai agradar os pequenos, mas vai repercutir muito mais nos pais, principalmente pais de adolescentes. É uma aula de psicologia que toca no fundo da alma dos adultos, ao mesmo tempo que diverte as crianças e dá uma esperança de que é possível lidar com essas emoções, sejam boas ou ruins, com sabedoria.
A Pixar ainda tem o molho
“Divertida Mente 2” é brilhante porque mergulha na mente de um adolescente; um lugar assustador que é explicado e compreendido melhor do que muitos livros por aí! Com imagens e representações vívidas, Riley passa por momentos estranhos e embaraçosos enquanto questiona sua identidade na tentativa de ser aceita neste novo grupo. Entendemos como suas memórias passadas afetaram sua identidade e como as novas emoções, ainda não controladas, às vezes a dominam.
O filme consegue mostrar que a Pixar ainda consegue, sim, ser genial, e é um dos melhores esforços do estúdio nos últimos anos. É curioso porque não parece uma sequência, mas sim uma continuação natural da vida de uma jovem. Charmoso, inteligente e inventivo, a diretora Kelsey Mann construiu um filme envolvente do início ao fim, explorando não apenas os aspectos estranhos e bem-humorados da adolescência, mas também a confusão e a turbulência que acompanham essa mudança, às vezes, traumática.
Dublagem e Aspectos Técnicos
Assisti ao filme dublado. Otaviano Costa, Miá Melo, Leo Jaime e Katiuscia Canoro, respectivamente como Medo, Alegria, Raiva e Tristeza, continuam fazendo um ótimo trabalho. Dani Calabresa como Nojinho está um pouco a baixo do tom em relação aos colegas, mas nada que atrapalhe. Entre as novas emoções, Gaby Milani, Eli Ferreira, e Fernando Mendonça fazem um bom como, Inveja, Tédio e Vergonha, respectivamente. Meu grande receio era Tata Werneck como Ansiedade. Embora ache uma das maiores comediantes no cenário atual, sabemos que Tata não tem uma dicção das melhores, mas ela faz um excelente trabalho e fiquei muito surpreendido positivamente.
Assim como no primeiro filme, é surpreendente como a imaginação é materializada de forma criativa. A produção pega conceitos abstratos e dão vida a eles. Alegria e seus companheiros viajam no fluxo de consciência, que contém uma coleção de objetos em constante mudança, dependendo do que Riley está pensando. Tem uma cena divertida onde eles precisam desviar de vários tipos de lâmpadas durante um brainstorm enquanto Riley tenta furiosamente encontrar uma solução para um problema urgente.
Um filme sobre crescer
“Divertida Mente 2” é um filme cuja genialidade reside no fato de abraçar a ideia de que é possível nos transformar sem perder a essência. Devemos reconhecer e abraçar tanto o bom como o mau – se é que essa dualidade existe – encontrando aquele equilíbrio harmonioso que nos permite ser melhores conosco mesmos e com os outros. Avançar em direção a uma idade adulta saudável, é reconhecer uma multiplicidade complexa de autopercepções que podem se contradizer. O que importa não é que você conte a si mesmo uma simples história sobre quem você é, suprimindo todas as evidências em contrário, mas que você se veja claramente.
Se ao menos “Divertida Mente 2” tivesse sido lançado quando eu era adolescente, talvez minhas noites sem dormir, me preocupando com o futuro, ou meus esforços inúteis para tentar me encaixar em certos círculos sociais, não tivessem existido. Depois de “Divertida Mente 2”, minha vontade é que a Pixar transforme isso em uma franquia longa para acompanharmos toda a vida de Riley.