

Sabe aquela sensação de abrir a geladeira esperando encontrar algo novo, mas se contentando com os restos de ontem reaquecidos? Hollywood anda assim há um tempo. Entre reboots desnecessários e remakes que ninguém pediu, a indústria parece ter desenvolvido uma relação quase obsessiva com o próprio passado, como se fosse mais seguro mexer em receitas conhecidas do que arriscar ingredientes frescos.
Nessa onda, filmes queridos, que não necessariamente são obras-primas, mas tinham carisma suficiente para marcar uma geração acabam sendo resgatados, mesmo não tendo muito o porquê de se fazer. “Sexta-Feira Muito Louca” era um desses. Diversão pura, energia leve, aquele tipo de sessão da tarde que você revê sem compromisso. Quando anunciaram Uma Sexta Feira Mais Louca Ainda, mais de vinte anos depois, dois pensamentos vieram como um reflexo: “pra quê?” e “isso aí tem cara de Disney+, não de cinema”.
Só que, contra todas as expectativas, o filme não só funciona como consegue ser melhor que o original. Sim, eu disse. Melhor.
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A premissa que ainda funciona (e até melhora)
A trama continua simples e eficiente: troca de corpos, choque geracional e caos controlado. Mas Uma Sexta Feira Mais Louca Ainda dá um passo além ao ampliar as combinações possíveis. Em vez de repetir o óbvio com mãe e filha trocando de lugar, o filme mistura as peças de um jeito que surpreende.
Agora, Anna (Lindsay Lohan) é mãe solo e está prestes a se casar novamente. Sua filha, Harper (Julia Butters), é uma adolescente espirituosa, com ironia afiada e um jeito “tô nem aí” que beira a provocação. Tess (Jamie Lee Curtis), por sua vez, é avó e vive uma fase mais contemplativa, enquanto Lily (Sophia Hammons), filha do noivo de Anna, exibe aquele ar sofisticado e levemente arrogante de quem cresceu em colégios preparatórios britânicos.
A base de qualquer comédia de troca de corpos está no choque entre forças opostas. E, aqui, Harper e Lily não poderiam ser mais diferentes e mais incapazes de se suportar. A química entre as duas é explosiva, o que torna tentador imaginar um roteiro inteiro dedicado à troca de corpos entre elas, com brigas, sabotagens e aprendizados a contragosto.


Mas Uma Sexta Feira Mais Louca Ainda prefere sair da rota previsível. Em vez disso, as adolescentes acabam trocando com as adultas: Anna vai parar no corpo de Harper, e Tess assume o de Lily. Essa escolha mantém vivo o choque geracional que é a essência da franquia, mas acrescenta um detalhe saboroso: Harper e Lily, obrigadas a conviver e a lidar com as confusões da troca, começam a se conhecer de verdade e até encontram um objetivo em comum, nada nobre, mas muito divertido: impedir que o casamento dos pais aconteça.
O resultado é uma reviravolta que dá fôlego à trama e prova que, às vezes, a melhor forma de manter uma fórmula funcionando é mexer nela com coragem.
Nostalgia bem dosada em Uma Sexta Feira Mais Louca Ainda
O que diferencia Uma Sexta Feira Mais Louca Ainda de tantos reboots preguiçosos é que ele não se ajoelha para o passado nem tenta vender nostalgia como se fosse um pacote de viagem all inclusive. As referências ao filme de 2003 aparecem de forma orgânica, sem chamar mais atenção que a própria história.
Há diálogos que piscam para os fãs de longa data, cenários que soam familiares e alguns easter eggs para quem gosta de caçar detalhes. Mas tudo isso encaixa sem travar a trama, sem criar a sensação de que estamos apenas revendo um álbum de fotos antigas.
O mérito é também da direção de Nisha Ganatra, que entende que nostalgia não é um museu e sim uma conversa entre tempos diferentes. Ela acerta o ritmo, deixa as cenas respirarem e conduz o elenco como quem sabe o valor de equilibrar piada com afeto.
Diferentemente de muitos projetos nostálgicos que chegam aos cinemas como produtos industriais frios, este filme consegue justificar sua existência. Não é apenas um exercício de saudade; é uma reflexão sobre como as gerações se relacionam em tempos de redes sociais, pressões familiares e expectativas redefinidas.
Elenco afinado e química intacta
O ponto alto de Uma Sexta Feira Mais Louca Ainda reside exatamente onde se esperava: na química entre Jamie Lee Curtis e Lindsay Lohan. As duas deslizam de volta aos seus personagens com uma naturalidade que impressiona, como se nunca tivessem saído deles. Curtis, em particular, entrega uma performance desinibida que lembra por que ela é uma veterana respeitada, há momentos em que ela incorpora completamente o espírito maluco da proposta, sem medo do ridículo.


Lindsay Lohan, por sua vez, experimenta algo que pode ser descrito como um retorno em grande estilo. Há anos não se via a atriz tão viva diante das câmeras, recuperando não apenas a precisão cômica que a tornou famosa, mas também a espontaneidade que fazia dela uma presença magnética na tela. As cenas físicas, onde ela pode “se soltar completamente”, são particularmente eficazes.
As novatas Julia Butters e Sophia Hammons também merecem reconhecimento. Butters, especialmente, consegue capturar não apenas o tom de Lohan, mas seus maneirismos únicos, uma tarefa nada simples quando se trata de interpretar alguém interpretando outra pessoa.
Entre a comédia e algo mais profundo
Além das gargalhadas esperadas, Uma Sexta Feira Mais Louca Ainda toca em temas contemporâneos com surpreendente sensibilidade. A pressão das redes sociais sobre jovens e adultos, o desafio de equilibrar carreira e maternidade, e as complexidades da formação de famílias não convencionais ganham espaço sem soar como lição de moral.
Manny Jacinto, como interesse romântico, adiciona “calor tranquilo e um toque de melancolia” que equilibra a energia frenética das trocas de corpo. Há momentos genuínos sobre luto, viuvez e monoparentalidade que elevam o filme acima da comédia rasa. Quando Eric e Lily se abrem sobre a falta que sentem da mulher que costumava completar sua família, o filme atinge uma profundidade emocional inesperada. É breve, mas carrega um peso que nenhuma piada conseguiria entregar. Ainda assim, nem tudo escapa de certo brilho artificial. Algumas cenas soam fabricadas demais, como se fossem feitas sob medida para trailers e cortes de redes sociais.


O raio que, dessa vez, valeu a pena
Uma Sexta Feira Mais Louca Ainda não é só mais um produto nostálgico jogado no mercado para sugar memórias afetivas até a última gota. É um daqueles casos raros em que a sequência não só justifica existir como ainda expande, com inteligência e um coração bem no lugar, o que o original tinha de bom. Sim, Hollywood continua obcecada em reciclar o próprio passado como se fosse uma máquina de xerox emocional, mas quando o resultado é tão bem executado, fica difícil reclamar de boca cheia.
A pergunta certa nunca foi “a gente precisava dessa sequência?”, e sim “ela consegue fazer algo novo com um terreno já pisado?”. A resposta, felizmente, é um sim que não soa forçado. O raio caiu no mesmo lugar e, dessa vez, iluminou coisas que antes passavam batido.
Assista ao Trailer de Uma Sexta-Feira Mais Louca Ainda
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