A trajetória incrível de uma das maiores sambistas do Brasil ganhou vida no palco do Sesc da Esquina durante o Festival de Curitiba com o espetáculo “Leci Brandão – Na Palma da Mão”, mergulha nas profundezas da vida e legado de Leci Brandão, uma das maiores sambistas do Brasil, trazendo à luz não apenas sua música, mas também sua jornada como mulher negra e lésbica.
A atmosfera do espetáculo é estabelecida desde o início, com o personagem de Sérgio Kauffmann cantando um trecho de um ponto de Exú e convidando a plateia a se juntar ele, ele não para de cantar e aos poucos a plateia de início tímida, acaba se deixando levar pela sua presença carismática rapidamente cativa, e aos poucos as vozes vão se unindo em um coro. Era como se a energia do samba tomasse conta do ambiente, despertando uma conexão emocional instantânea e aí a história começa.
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Lecy sobre Leci
Para contar a história da sambista, a peça se baseia em dois pilares fundamentais: a afetividade, especialmente a relação de Leci com sua mãe, e a religiosidade, simbolizada pelo Candomblé, que desempenhou um papel significativo na vida da artista. Para materializar isso, Leonardo Bruno, jornalista e escritor, elabora habilmente um texto que conta a história de Leci, a partir do olhar afetuoso de sua mãe, Dona Lecy. Nos guiando desde a juventude da cantora, até a partida de Dona Lecy em 2019.
Luiz Pilar, diretor do espetáculo, possui uma relação de longa data com Leci e sua família e conta que “Leci Brandão – Na Palma da Mão” foi inspirada por um pedido da irmã de Leci antes de falecer. Ela desejava que a história de sua irmã fosse contada, e assim nasceu a obra. Luiz, que recentemente venceu o Prêmio Shell, a maior distinção do teatro brasileiro, disse que a maior honraria foi a que recebeu quando a peça estreou no Rio de Janeiro e a própria Leci Brandão assistiu pela primeira vez à montagem que refaz sua vida:
“No final, ela disse: ‘Vocês, com todo respeito, conseguiram falar tudo aquilo que eu nunca tive coragem de falar pra minha mãe’. Eu sabia o que ela queria dizer”,
Luiz Antonio Pilar
Uma história contada a partir de muito samba
“Leci Brandão – Na Palma da Mão” narra a vida da cantora desde sua juventude, até a partida de Dona Lecy em 2019, através de uma narrativa contada em prosa e música, São cerca de 17 canções, a maioria composições escritas por Leci Brandão como “A Filha da Dona Lecy”, “Ombro Amigo”, “Gente Negra”, são inseridas no espetáculo de uma forma que se mescla com o texto e ajudam a guiar a história
Tudo isso é retratado de forma muito dinâmica, envolto em muita música. Sob a direção musical de Arifan Junior, com músicos talentosos como Matheus Camará, Thainara Castro, Pedro Ivo e Rodrigo Pirikito, acrescenta uma dimensão autêntica ao retratar a africanidade do samba.
A cenografia, adornada com folhas de mangueira, não apenas remete a trajetória na Mangueira, onde Leci começou sua carreira nos anos 70, como a primeira mulher a integrar a ala de compositores da Escola de Samba, mas também evoca os profundos simbolismos das religiões de matriz africana. Sob a direção de Pilar, “Leci Brandão – Na Palma da Mão” consegue contar uma história tão rica, tão importante, de forma simples, mas profunda, dando a devida importância a esse ícone tão importante, não só na música, mas na história do Brasil.
Atuações encantadoras
Além de Sérgio Kauffmann, que é uma espécie de segundo narrador da história, atuando quase como se fosse uma nota de rodapé para história e também se destaca ao interpretar diversos personagens masculinos relevantes na vida da cantora, incluindo seu pai e o inspirador líder comunitário Zé do Caroço. A atuação excepcional das atrizes Tay O’Hanna e Verônica Bonfim, que deram vida a Leci Brandão e sua mãe, respectivamente. Sua sintonia arrebatadora trouxe uma camada adicional de profundidade emocional à performance.
Além de sua importância musical, Leci também foi uma figura política engajada. Ela usou sua arte como uma ferramenta de expressão política, abordando questões sociais e raciais muito antes delas se tornarem temas populares de debate. Em suas músicas, Leci discutiu temas como desigualdade social, racismo, injustiça e orgulho da cultura afro-brasileira. Sua voz era uma voz de resistência e de afirmação da identidade negra e LGBTQIA+, lutando por igualdade e representação em uma sociedade que muitas vezes marginaliza essas comunidades.
“Leci Brandão – Na Palma da Mão” é uma homenagem tocante a uma figura inspiradora da cultura afro-brasileira e, ao mesmo tempo que conta a história da Leci, não é uma história individual, é sobre o coletivo, sobre luta, sobre ancestralidade. Como pessoa negra e amante do samba, testemunhar a história de um ícone como Leci Brandão sendo contada com tanto respeito e profundidade foi verdadeiramente emocionante. Sua vida é um testemunho de resistência e empoderamento, uma voz que ecoa potência e luta pela preservação de nossa cultura.
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