Shakespeare com certeza choraria se estivesse nessa sessão. Seja pelos detalhes vívidos na estética, na poesia que as cores contam (até mesmo as mais sóbrias e fúnebres), na maestria que o balé conduz as cenas ou na fluidez que o elenco canta o musical. Com tantos fatores impecáveis dentro de cena, dá até pra ficar sem fôlego e guardar o choro para depois. Mas não dá pra negar que, num enredo que traz como inspiração original o romance de Romeu e Julieta, a gente quer mesmo é morrer de amores por uma história que nos cative.
Amor, Sublime Amor (2021), ou West Side Story no título original, é um remake perfeito do clássico de 1961 e adaptação cinematográfica do musical da Broadway de 1957. O longa estrelado por Ansel Elgort (Tony) e Rachel Zegler (María), gira em torno de duas gangues dos guetos de Nova York que brigam incessantemente por território: os Jets, nativos que se acham donos das ruas, e os porto-riquenhos Sharks, que lutam para conquistar seu espaço. No meio desse conflito, temos o romance entre Tony, ex-integrante dos Jets, e María, irmã do líder dos Sharks.
Um roteiro mais vivo e cuidadoso
É indiscutível a fidelidade do remake de Spielberg ao material original da obra, respeitando o que foi criado pelos roteiristas originais. Mas assistindo ao longa, presenciamos um roteiro mais cuidadoso em alguns aspectos, além de trazer uma linguagem mais leve e que conversa melhor com 2021 – claro, sem deixar de lado a essência da obra.
O que eu quero dizer, é que temos uma sensibilidade maior no texto adaptado do roteirista Tony Kushner, que opta por não deixar pesados os termos xenofóbicos e preconceituosos usados pelos Jets como ofensas para os Sharks. Levando em conta a obra de 1961, temos termos chulos, agressivos e sem pudor (além de outros problemas mais assustadores). A adaptação mais cuidadosa elimina desconfortos desnecessários para não atrapalhar a experiência da obra, discutindo os preconceitos de uma forma mais digna.
Você veio pelos musicais, certo?
Pois veio ao filme certo. Spielberg passeia com uma direção fantástica por todas as cenas de musicais, entregando quase que uma aventura por um mundo musical. É encantador presenciar cada cantinho da história se transformando em grandes espetáculos de música e dança, com fotografia e direção de arte precisas, vívidas e encantadoras.
Mesmo se propondo a ser um musical de alma e coração, Amor, Sublime Amor possui alguns números apenas de dança, e entrega-os bravamente. A escolha do elenco como balé, foi algo excepcionalmente perfeito. A facilidade com que os personagens conduzem-se entre uma cena e outra, traz um ritmo que te chama para dançar durante o filme todo.
Com certeza, os destaques do longa ficam com os musicais “María”, solo de Tony após conhecer sua amada – solo que Ansel Elgort executa de maneira emocionante –, e “America”, o ponto alto do filme que mostra toda a riqueza porto-riquenha através de uma música com ritmos nativos e uma letra provocativa.
Um romance proibido
Mesmo sendo a razão principal da história (não fui eu quem disse), o romance proibido entre María e Tony infelizmente não assume o devido protagonismo na história. Mas espera, não era para ser romântico? Acredito que talvez. Confesso que, em alguns momentos, me perguntei se o grande romance iria tomar conta do enredo e enfim assumir seu lugar na tela, mas encontrei uma história de amor leve, um pouco tímida, sem muita profundidade e, em algum momento, até assustadora.
Um viés cômico muito bem trabalhado e explorado
Com a adaptação para um texto mais atual, tivemos um humor mais claro e que trouxe um equilíbrio excelente para o longa. Há momentos hilários de interação entre os personagens, principalmente durante os números musicais, além de diálogos que nos arrancam boas risadas e trazem um ar cômico que completa determinados personagens.
Anita, a única dona possível dos holofotes
Interpretada pela magnífica Ariana DeBose (A Festa de Formatura – 2021), Anita comanda todos os holofotes do filme, sendo a presença mais forte no longa. Desde sua aparição no primeiro ato, é impossível não se apaixonar por Anita, que domina a cena com seu carisma, elegância, poder e movimentos impecáveis enquanto dança – e “engole” Bernardo (David Alvarez), seu par romântico, que entrega uma boa atuação, mas não consegue cativar no longa.
Além de ser fabulosamente, uma das melhores dançarinas do filme, Anita entrega os melhores looks ou figurinos do filme – não à toa, a personagem sonha em ser estilista –, com cores, sobreposições e composições potencializadas por seu charme, forte presença e grande habilidade de ser o centro das atenções por onde passa. Anita é bastante sarcástica em algumas cenas, mas traz um humor excelente para o longa. Já em outras cenas, entrega atuações cheias de coragem, força e determinação. Definitivamente, precisávamos de uma atriz preta para marcar esse remake e ser o um protagonismo vertical que não estávamos esperando.
Dona também da representatividade
Anita marca a verdadeira representatividade do filme, esta que foi apagada, ignorada e mascarada na obra original de 1961, não por Rita Moreno – inserida na adaptação de 2021 como uma nova personagem, Valentina –, que é porto-riquenha; mas pelo brown face perceptível na personagem principal María, na época interpretada por Natalie Wood.
Deveras ainda temos uma atriz americana no papel de María, interpretada por Rachel Zegler no longa atual, deixando a personagem ainda distante e descolada da narrativa de Porto Rico, que mostra uma união sem igual tanto entre os Sharks, quanto entre suas companheiras. María parece se encaixar no ideal americano – e talvez a história ainda reforça isso. Talvez esse seja um dos pontos incoerentes da obra e que não converse com a nova roupagem. O que considero triste, pois seria um erro a ser consertado que faria a diferença na obra final, trazendo uma representatividade que a obra merece.
Os figurinos são impecáveis
O ponto alto de Amor, Sublime Amor está na escolha dos impecáveis figurinos que compõem a obra. Com uma paleta de cores equilibrada e sóbria para um lado (Jets/americanos) e estonteante e envolvente para outro (Sharks/porto-riquenhos), o longa capricha na construção dos looks e em como conversam com a adaptação. Como destaque, deixo o ato musical “America”, que traz um espetáculo de cores capaz de encher os olhos de alegria e paixão. Porto Rico, este filme é para você, entenda.
O amor nunca vale mais que a vida. Se esse for o preço, então não está valendo.
Me pergunto se foi realmente o primeiro musical que Spielberg dirigiu. De fato, foi grandioso o seu trabalho desde a estética e condução das cenas e personagens, até as minuciosidades da obra. Nota-se sua visão macro de um longa e seus dedinhos que transformam esta adaptação musical no remake do século.
No geral, Amor, Sublime Amor não é um romance clichê, mas uma história bastante complexa que abrange o protagonismo de diversos personagens, além de explorar diversos pontos narrativos cada um em seu cantinho, mas que se fundem com êxito no clímax da obra.
A grande lição de Amor, Sublime Amor ficou nas mãos de Rita Moreno, a estrela da versão original de 1961, que interpreta Valentina na adaptação. Aconselhando Tony, a personagem mostra que o amor nunca vale mais que a vida. Sinceramente, eu amo frases de impacto e tenho uma memória ótima para guardá-las. E este foi o ponto alto do filme para mim. Um clichê que revela do que são feitas grandes obras. É assim que vivemos o cinema. É assim que descobrimos que dá pra viver sem amar, mas nunca, amar sem viver.
Confira abaixo o trailer oficial de Amor, Sublime Amor (2021), que estréia nos cinemas em 09 de dezembro de 2021.
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[…] pensada minuciosamente, por isso, entrega uma experiência tão envolvente. O Oscar vem aí? Com Amor, Sublime Amor, Duna, King Richard, Ataque dos Cães e outras obras impecáveis, não há como prever. A ansiedade […]